domingo, 30 de março de 2008

Julgamentos

Questão importantíssima na vida humana, o julgamento pode assumir duas caras. Podemos encará-lo como o julgamento de alguém por parte de outrem, ou como o julgamento de alguma situação. Um, necessariamente, depende do outro. Não são, porém, a mesma coisa.

Podemos encarar, primeiramente, o julgamento com uma conotação de análise. Por exemplo, antes de agir temos sempre que julgar a situação. Antes de chutar a bola o jogador de futebol de fazer um julgamento da situação. Analisar as possibilidades, verificar se há companheiros mais bem colocados, em melhores condições de fazer o gol. Analisar a que distância está da meta e se seu corpo conseguiria chutar uma bola com risco de êxito da posição em que está. Se escolher a segunda opção e chutar a bola mas não conseguir vencer o goleiro, pode ter havido um erro de julgamento de sua parte. Ou não. Pode ter julgado corretamente, mas na hora de executar o ato algum outro fator acabou impedindo o êxito, por exemplo, um pouco mais de altura na bola e esta bateu na trave ao invés de entrar, ou um desvio por parte de algum jogador do time adversário.

Há, porém, o julgamento mais popularmente conhecido e difundido, que é o julgamento de valores. Este está submetido a leis e há juízes, advogados e promotores. Há um processo, onde provas e contraprovas são apresentadas e, em uma análise conjunta de várias pessoas, onde o juiz dirige os envolvidos e tem opinião bastante decisiva, às vezes definitiva, chega-se a um veredicto, que por sua vez pode não ser o mais correto, pois pode advir de um erro de julgamento. Não deste, mas do outro do parágrafo anterior.

Em muitos momentos em nossas vidas nos deparamos com situações bastante delicadas e muitas vezes de aparente insolubilidade. E tudo se torna pior quando precisamos agir perante essa situação. Ficar indiferente ou impassível faz-se impossível, em alguns momentos. O que fazer quando isso acontece? Os eventos requerem uma ação nossa, mas há muito risco em agir. E se cometermos um erro de julgamento e nossa ação tomar um rumo oposto ao que achamos que iria inicialmente? Situações assim são extremamente delicadas e creio que quase todos nós já passamos por elas, e provavelmente ainda vamos passar outras vezes. Normalmente acontece no ambiente familiar, onde sempre se deve prezar a harmonia e a paz. Qualquer erro de julgamento de qualquer um dos envolvidos no problema pode ser fatal. Tentarei, por partes, falar sobre o que penso a respeito. Veremos que um erro de julgamento nosso pode nos levar a outro julgamento, mas dessa vez estaremos sentados no banco dos réus.

O primeiro ponto: o fato. O que está acontecendo de verdade? Nossa primeira observação em situações como essa deve ser bastante profunda. Temos que pensar sobre o fato. O que temos de indícios e/ou provas a respeito dele? É viável? Há vários momentos onde nos deparamos com coisas que não são o que parecem ser, ao passo que podemos ver coisas que não parecem ser o que são, mas são. Sendo assim, essa primeira análise, a de identificar o fato, deve ser muito bem feita e muito profunda. Os olhos devem estar bem abertos para conseguirmos ver com a maior clareza possível, apesar de isso não garantir que assim o conseguiremos.

O segundo ponto: os envolvidos. Com um fato em mãos, devemos partir para o segundo ponto, que é a análise dos envolvidos. Qual o grau de confiança de cada um dos envolvidos no assunto? O quanto conhecemos a fundo essas pessoas? Aqui entra novamente a questão a respeito do ser o que não parece e parecer o que não é, mas é. Conhecer alguém profundamente é uma tarefa de anos, onde afinidade, intimidade e confiança são fundamentais. Quão maiores forem os índices dessas três variáveis, menor o tempo que se leva para conhecer alguém a fundo. E essa relação de conhecimento é bilateral. Ambos têm que trabalhar sobre essas variáveis para que tudo seja o mais honesto e sincero possível. Não pode haver segredos de nenhum dos dois lados se deseja-se alcançar uma relação de profundo conhecimento. Situações delicadas como a que estou querendo descrever exigem sempre o conhecimento mais profundo possível das pessoas envolvidas no fato. Até mesmo porque isso pode interferir no fato em si. Vejamos um exemplo totalmente hipotético. Meu fato é: alguém está fazendo macumba (sem intenção ou conotação pejorativa, certo? Apenas usando um termo bastante usado popularmente, porém nem sempre corretamente, para fácil compreensão) para que eu largue minha esposa. É viável? Sim, claro. Já vi de tudo nesse mundo. Cheguemos, pois, aos supostos envolvidos. Neste caso acabo descobrindo que é minha mãe. Em tese, poderia parar a investigação imediatamente. Conheço o suficiente minha mãe para afirmar duas coisas. A primeira é que ela ama demais o Cristo para traí-lo desejando o mal a um filho. A segunda é que ela jamais faria macumba, dada sua fé em sua religião. Poderia interromper aí o meu julgamento ou partir em busca de novos suspeitos. Como sempre devemos esclarecer ao máximo as coisas e não confiar em ninguém cegamente, devemos continuar sempre a investigação até o fim. Porém, caso o suspeito não fosse minha mãe, mas sim um ex-namorado de minha esposa, as coisas ficariam bem mais viáveis e eu continuaria minha análise. É nesse aspecto que se torna fundamental o conhecimento dos envolvidos. E, repito, esta relação de profundo conhecimento se dá bilateralmente, quando não há qualquer segredo em qualquer direção. Onde há segredo não há confiança. E não me refiro a segredos de fatos, mas segredos de fundo moral, de personalidade. Por exemplo, há um segredo sobre um desvio de conduta ética, como pequenos furtos ou preconceito com pessoas de outra cor. As personalidades envolvidas na relação devem se conhecer por completo, mesmo que haja fatos escondidos. É por isso que esta é a parte que considero a mais difícil de todo esse julgamento, pois até que ponto podemos ou não saber se conhecemos alguém profundamente?

O terceiro ponto: as provas. Provavelmente quando chegamos aqui temos, no mínimo, um forte indício. E ao contrário do que alguns pensam, há, sim, julgamentos por indícios, sem provas, pois é pra isso que serve todo esse processo de análise: pra ver se indícios se tornam, na verdade, em provas. Assim como o segundo ponto depende do primeiro, este aqui depende do anterior. Indícios podem ganhar ou perder força dependendo das pessoas envolvidas. Voltando à situação hipotética levantada acima, uma foto de minha mãe ou do suposto ex-namorado fazendo a tal macumba iria mudar muita coisa a respeito do que eu poderia estar pensando, mas não seria prova definitiva, visto que poderia ser uma montagem. Já algo menos concreto e contundente do que uma foto – uma testemunha, por exemplo – nos traria a outro contexto. Testemunhas são seres humanos e, como tal, são imperfeitos. Além disso, sua índole e sua moral variam muito entre uma e outra pessoa. Por isso, teríamos que ter também um grau de conhecimento da testemunha, o que nem sempre é possível. Ou seja, se não há provas ou indícios de nada, o mais prudente é suspender a análise e ir à busca deles. É melhor do que acusar alguém injustamente. Se há ao menos um indício, sigamos com o julgamento.

O quarto e último ponto: a ação. Este é, sem dúvidas, o momento mais delicado de todos. Não o mais difícil, mas o mais delicado. Dependendo de como agirmos, tudo que foi analisado pode ir por água abaixo. Mesmo se tivermos razão, provas, etc., se tomarmos a atitude errada podemos pôr tudo a perder. Além disso, nossa atitude posso ser interpretada errada. É por isso, portanto, que vou dispensar um certo tempo neste tópico.

Acontece ciclicamente em casos como esse a necessidade de julgamento de valores, de idéias, de ideais, de moral, etc. Não o julgamento acusativo, mas aquele que te faz entender a situação, as ações das pessoas que estão envolvidas. Isso se dá em todos os lados do problema. Quando partimos para a ação, passamos a abrir o espaço para que os atingidos por ela julguem tudo o que estamos fazendo. Por isso devemos ter o maior cuidado ao decidir o que fazer. Devemos analisar muito bem o fato, quem está envolvido e o quanto o conhecemos, além do número e da confiabilidade das provas que temos. Só assim poderemos agir. Por experiência própria, posso dizer que nesta hora o conhecimento dos envolvidos se torna bastante importante. Decisivo, eu diria. Voltemos mais uma vez à hipotética macumba. Suponhamos que minha mãe fosse a envolvida e que eu decidisse ir conversar com ela a respeito. Existem duas alternativas. A primeira: ela confirmar o fato, o que me causaria completa decepção, visto que acabaria de constatar que não conheço nem mesmo minha mãe, que é capaz de desejar o mal do próprio filho. A segunda: ela negar. Se isto acontecesse, certamente, pelo que a conheço, ela me perdoaria por ter levado a ela tal desconfiança, mas dadas as minhas provas e/ou indícios, ela entenderia. Mas, certamente, me ajudaria a esclarecer as coisas. Vejamos o caso agora com o envolvido sendo o ex-namorado de minha esposa e minha decisão fosse também ir falar com ele. Ele poderia confirmar, o que me levaria a um novo julgamento, mas dessa vez sobre o que fazer, ou poderia negar. Se ele negasse, eu cairia em um novo problema: não o conhecer o suficiente para saber se ele está falando a verdade. Sim, isso tudo é muito complicado.

Obviamente cada caso é um caso e cada um tem seus critérios de julgamento. O que quero mostrar é que antes de agirmos em uma situação delicada, que ameaça a paz e a harmonia, mesmo que tenhamos boa intenção, podemos não ser compreendidos. Imaginemos que no hipotético caso que mencionei acima, minha mãe negasse, que isto fosse verdade, mas que ela, ao invés de agir como previ e escrevi acima, se magoasse comigo de tal forma, mesmo com todas as minhas provas/indícios, que parasse de falar comigo, ou que chorasse por dias dada a tristeza e/ou decepção pela minha desconfiança, enfim, qualquer coisa com conotação negativa a respeito do que fiz.

Muitas vezes queremos apenas zelar pelas pessoas que amamos, queremos ter a certeza de que está tudo bem, queremos alertar, prevenir, ajudar, mas ainda assim podemos ser mal compreendidos, mesmo tendo nossas muitas razões. Aí entra em cena outro fator: o estado de espírito, de paz espiritual que a pessoa envolvida se encontra.

Além dos quatro pontos que coloquei acima, no segundo deles, os envolvidos, há a questão muitíssimo pessoal do estado de espírito. Tanto nós quanto os demais envolvidos na situação podemos estar passando por problemas espirituais, que certamente interferirão negativamente no julgamento de todo o caso. A influência negativa em nossa mente – que pode variar muito de intensidade, desde a mais sutil até a mais agressiva – faz com que não consigamos ver as coisas exatamente como elas são. O mais grave disso é que, em quase todos os casos onde isto acontece, o influenciado não se sabe e/ou percebe assim. Por isso a constante vigilância de nossos pensamentos e atos, mantendo sempre ideais elevados, que estejam de acordo com os preceitos morais mais nobres, seja em que área da vida seja, é o recomendado para o nosso dia-a-dia. Só assim poderemos diminuir muito, praticamente neutralizar, as chances dessa influência nociva, à qual todos estamos sujeitos. Essa vigilância deve ser constante, e deve durar o dia todo, todos os dias.

Assumamos que, ainda no exemplo acima, a reação de minha mãe tenha sido a de negar e ficar magoada comigo. Poderia ela estar passando por alguma influência que não a permita ver que eu não quis magoá-la, ofendê-la e apenas esclarecer um assunto que chegou até mim? Que o fato de ela reagir sem a compreensão esperada por um amor materno possa ser resultado de uma influência negativa que quer prejudicá-la ou a mim? Sim, pode. E é bem provável que seja. O que devemos fazer nessas horas é não forçar o convencimento. Se ela estiver sob influência não nos escutará. Cabe a nós a demonstração pelo exemplo, pela oração e pela compreensão, para que isso possa, naturalmente, com o passar do sagrado tempo, demonstrar a verdade. Nunca devemos desistir. Lembremo-nos de que a paz e o bem comum devem sempre prevalecer, e que nada nesta vida acontece por acaso. Tudo tem uma causa que Deus conhece. Tudo pelo que passamos nos deve servir de aprendizado para o enobrecimento interior.

São complicadas, muito mais do que parecem, as relações humanas sem afetar o bem comum. O exemplo acima é apenas uma hipótese, mas quantos de nós já não passamos por situações muito delicadas com pessoas muito queridas onde houve um aumento do problema por um erro de julgamento de alguma das partes envolvidas? Isso é muitíssimo comum. Cabe a nós manter o espírito em melhor estado possível para quando estes momentos chegarem estarmos mais aptos a pensar em todas essas coisas que mencionei, além, é claro, das particularidades de cada caso. A análise deve ser cuidadosa. Se a reação for inesperada e negativa, cabe a nós a paciência e tolerância mediante o problema, sempre rezando e exemplificando as nossas idéias na nossa vida, nas nossas atitudes, para poder demonstrar pouco a pouco aos envolvidos que tínhamos razão. É, sim, muito difícil. É, sim, muito delicado. Mas é aí que está o mérito: no êxito sobre as provas difíceis que a vida nos impõe.

Nesta parte somos automaticamente levados ao outro ponto deste texto, o outro julgamento. Aquele onde há juízes, advogados e réus. É muito comum que as pessoas que não entendem a nossa atitude, a nossa opinião, pensem que as estamos julgando, mas desta vez o julgamento que leva à condenação. A maior parte do problema que nasce com a má interpretação de nossa atitude reside aí. A confusão toda nasce na idéia de que, uma vez que estamos apontando um problema, estamos condenando a pessoa por ele. Vêem-nos como promotores sedentos pela vitória. Isso é comum. É muito natural que isso aconteça, principalmente se o indivíduo estiver vivendo em uma psicosfera negativa, má influenciada em seu ambiente espiritual. Essas má influências dificultarão a compreensão do fato, dos argumentos apresentados e das atitudes tomadas por nós. A visão espiritual fica turva, dadas as sombras que a envolvem. Como já disse: é fundamental que tentemos ao máximo agir sempre de acordo com a mais correta moral. É óbvio que dadas as nossas fraquezas isso é quase impossível, mas apenas por sempre pensarmos assim, por sempre vigiarmos nossos pensamentos e ações, o caminho já está sendo percorrido, já é um grande passo. Assim a nossa sintonia com as coisas boas, com os ambientes de luz fica maior e a força para seguir em frente também aumenta, afastando as sombras. Nesses casos temos que ter a paciência, manter a oração intercessora e a demonstração pelos exemplos, principalmente. Cabe a nós evitar que o problema se agrave e compreender que somente o tempo pode dar as condições para que a luz aja e renove o espírito da pessoa. Tentar demonstrar que não condena o que a pessoa fez ou faz, apesar de discordar dela, raramente resolve nesses casos. Só a experiência do tempo e a oração com fé podem agir. É importante deixar claro que devemos também fazer uma auto-análise para identificar se realmente não estamos agindo com condenação. Se assim o estivermos, cabe a nós mudar esta postura, sempre compreendendo e respeitando as escolhas do próximo.

Um fato muito comum de acontecer em situações dessa natureza é a citação por parte da pessoa do ”não julgueis para não serdes julgados” e do ”retira primeiro a trave do teu olho antes de enxergar o cisco no olho do próximo” instituídos por Jesus. Gostaria de discorrer um pouco sobre essas frases.

Creio que quando Jesus disse para não julgarmos, ele se referia ao que mencionei um pouco acima. Não é porque você não concorda com uma opinião ou atitude de alguém que você deva condená-la por isso, excluí-la de seu meio ou de sua vida. Muito pelo contrário. Cabe a você perceber, sim, o erro – até para não cometê-lo também –, alertar a pessoa a quem você tem afeto, e continuar sua relação com ela, independente do que aconteça. Óbvio que não estou falando aqui em situações de adultério, por exemplo, você precise continuar com seu companheiro se ele ou ela tem outra pessoa. Em casos assim, é razoável que procuremos o que é melhor pra nós. A beleza está, portanto, na arte do perdão, que permitirá que continuemos a relação com essa pessoa, mas de uma outra maneira, como colega ou amigo. A questão em análise aqui é diferente. Não é o perdão das ofensas, mas sim a capacidade de vivermos em sociedade harmonicamente respeitando as diferenças, evitando acusações e condenações, pois devemos ter sempre em mente que somos também passíveis de estar no “banco dos réus” a qualquer momento.

Voltando à frase de Jesus, ele próprio em várias ocasiões percebeu e apontou vários erros (que são expostos como pecados no Evangelho) e atuou sobre eles. Erros, inclusive, de cunho político e religioso da época, não apenas os erros individuais. Porém, mesmo intercedendo, ele nunca condenou ninguém. Sempre perdoou e trouxe, ou tentou trazer, essas pessoas para junto de si. É assim que devemos agir. O fato de percebermos um problema, uma idéia que não condiz com o que pensamos ser certo, não nos dá o direito de condenar ninguém. Muito pelo contrário.

É neste ponto que entra a outra frase de Jesus, a de olharmos primeiro pra trave em nosso olho antes do cisco no olho do outro. Que direito temos de condenar os erros de qualquer pessoa, quando estamos tão cheios de erros também dentro de nós? Reparem que nos parágrafos acima em todo o tempo eu mencionava a nossa própria avaliação, a vigilância de nossa conduta e de nossos pensamentos, sempre visando nos corrigir. Isto é tirar a trave de nossos olhos. Acusar é fácil, se corrigir é difícil. Temos que nos corrigir constantemente para estarmos sempre, ou o maior tempo possível, dentro do caminho do bem. Isso nos dá o direito de tentar ajudar nossos semelhantes mostrando-lhes o que está errado e pode ser mudado. Isso não é acusar. É ajudar, é educar. E, se temos a nossa própria conduta como exemplo, nosso apontamento ganha força. O exemplo é a chave de tudo.

Portanto, cuidemo-nos todos com os erros de julgamento. Somos passados a essa prova diariamente, a todo o tempo. A correta interpretação das atitudes e palavras de outrem é muito difícil e exige muito cuidado e análise de diversos fatores. Tentemos fazer como Jesus, que sempre deu o exemplo, sempre agiu sobre as coisas do espírito, corrigindo e educando, mas nunca condenando. É claro que podem pensar que os estamos condenando, isto é algo que acontece, principalmente quando há má influência, mas nunca podemos deixar que esse pensamento seja realmente verdade. Com certeza, um dia seremos nós sentados no banco dos réus.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Seguir ou não seguir?

Hoje acordei sem muita coisa para escrever. O ânimo estava meio baixo. Momento de fraqueza diante dos problemas que se apresentam cotidianamente. Passei boa parte da noite pensando, me questionando se eu não estava sendo meio exagerado em algumas atitudes, se realmente estou indo pelo caminho certo. Procurei auxílio na fonte máxima de luz. Não, não no sol. No Evangelho, sol do Sol. O capítulo X do livro de Mateus foi o que veio muito bem a calhar e, como não poderia deixar de ser, explicou muita coisa. Fala sobre a escolha e a missão dos apóstolos. Um trecho em especial me chamou atenção, os versículos 34 a 36. Transcrevo-os.

“Não julgueis que eu tenha vindo trazer paz à Terra. Não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra. E os inimigos do homem serão os de sua própria casa.”

Como o trecho é polêmico, mas muito profético, fui procurar o que significava. Parti em busca de exemplos. Achei algumas coisas bastante interessantes na história do cristianismo. Vejamos algumas.

Bárbara era filha única de um nobre comerciante turco. Em determinada ocasião seu pai precisou viajar e, por ela ser ainda muito jovem, este a trancou em uma torre para que ela não tivesse contato com a sociedade. Ele receava que ela fosse corrompida, dada a corrupção vigente na época. Durante esse tempo ela pôde estudar e acabou tornando-se cristã. Ao voltar de viagem e saber da notícia da conversão da filha, seu pai tentou convencê-la a abdicar de sua fé e crer nos deuses do Império Romano. Diante de sua negação, seu pai a denunciou ao prefeito da cidade, que a torturou tentando a conversão. Como a jovem insistia em sua fé, foi condenada à morte, sentença executada pelo próprio pai.

Tomás de Aquino, um dos mais respeitáveis e inteligentes religiosos da igreja católica de todos os tempos, foi criado por seus pais, nobres da região de Nápoles, para que se tornasse abade do mosteiro de Monte Cassino, onde foi internado pela família aos cinco anos de idade. Aos dezenove decidiu se juntar aos dominicanos, ordem mendicante criada por Domingos de Gusmão. Diante da negação da família, foi obrigado a fugir de casa para seguir sua vida em caminho do Cristo.

Francisco era filho de um rico comerciante da região da Úmbria, na Itália. Seu pai sonhava em torná-lo seu herdeiro nas rédeas do próspero negócio de tecidos que possuía. Ainda jovem foi à guerra, onde ficou preso por um ano. Voltou do cárcere muito doente, e durante sua recuperação foi se convertendo lentamente. Depois de curado, Francisco decidiu reformar a igreja de São Damião com o dinheiro do pai, que o acusou de furto. Diante do bispo e da família, Francisco pediu a benção à igreja, abriu mão de tudo que tinha e lhe fora dado pelo pai, inclusive as vestes que carregava no corpo, e saiu para cumprir sua missão religiosa.

Clara era uma belíssima jovem, filha de nobres também da região da Úmbria. Foi muito influenciada na vida religiosa e até mesmo na escolha deste caminho pelos exemplos que presenciava de Francisco de Assis. Contrariando a decisão da família de lhe casar com um jovem rico, Clara foi obrigada a abandonar tudo e seguir Francisco, fundando a Ordem das Clarissas, o que pode-se considerar a vertente feminina da Ordem Franciscana. Viveu em extrema pobreza até o último dia de sua vida.

Estes são apenas alguns dos muitos exemplos que temos ao longo da história narrando problemas e divergências, familiares ou não, por causa do Cristo. Ele os previu corretamente, como tudo aquilo que fez. Nenhuma de suas palavras ficou sem exemplificação. Nenhuma. A pergunta é apenas esta: quem estava com a razão: As famílias, que queriam viver os gozos das facilidades da vida mundana, ou os futuros santos, que abriram mão de tudo que fosse inerente ao mundo físico para cultivar as virtudes do espírito? Vale à pena conhecer mais profundamente a história desses homens e mulheres antes de responder.

Nosso papel na Terra é único. Cada um traz consigo um conjunto de responsabilidades e tarefas a cumprir. Não podemos exigir de todos que vivam em extrema pobreza. Eu mesmo jamais conseguiria. Seria extrema hipocrisia de minha parte dizer o contrário. E, sinceramente, creio que no mundo de hoje isso seja quase impossível. O planeta está cada vez mais envolto em um universo tecnológico e a vida cotidiana exige, em qualquer país, do mais pobre ao mais rico, muito esforço, trabalho e suor. Não que não fosse assim antes, mas a competição quase antropófaga do mundo atual é castradora em diversos sentidos. Além disso, nas épocas narradas acima os alicerces das religiões e da moral humana ainda estavam sendo construídos. Hoje já há uma gama imensa de exemplos em todas as crenças, culturas e povos, cristãos ou nãos, para que neles o homem se baseie. É fato que há ainda muita má interpretação humana da maioria desses exemplos, mas isso é outro problema, que não vou abordar aqui.

Nosso papel nesse mundo é viver a vida que deve ser vivida aqui, sem achar, porém, que tudo se encerra e se resume aqui. Ao longo dos anos temos que viver sempre de acordo com os preceitos e leis de Deus, mesmo que isso vá contra amigos ou familiares. Nossas escolhas e atitudes devem ser sempre tomadas de acordo com os bons princípios, com os exemplos de todos esses que passaram pelo mundo como base. A moral do ser humano não tem religião. Os bons exemplos não são de propriedade de um ou outro credo. Preocuparia-me demais ouvir um cristão dizer que Gandhi não é um exemplo de moral, amor, caridade e caráter, ou um hindu dizer o mesmo do Cristo. Até porque Gandhi O respeitava e admirava. Vejam o que ele diz a Seu respeito:

“Cristo é a maior fonte de força espiritual que o homem tenha conhecido. Ele é o exemplo mais nobre de um que deseja dar tudo sem pedir nada. Cristo não pertence somente ao Cristianismo, mas ao mundo inteiro”

Enfim, os exemplos estão aí. Adaptemo-los às nossas vidas, ao nosso tempo, ao nosso dia-a-dia, às nossas possibilidades (isso é muitíssimo importante) e sigamo-los sempre, à medida do possível. Temos, cada um, os nossos limites, que devem ser respeitados. O importante é que sempre tentemos chegar a esse limite, dar sempre o nosso melhor, nos esforçamos ao máximo para que cheguemos lá um dia.

Acabo de perceber uma coisa: como deve ser feita a vontade de Deus e não a minha, acabei escrevendo um bocado...

terça-feira, 11 de março de 2008

Um homem de poucos amigos...

Hoje o texto é curto, e não é de minha autoria. Mas como tem tudo a ver com o momento que passo em minha vida, decidi postá-lo. Acredito que vai acalmar uns e esclarecer outros. Fiquem com a bela passagem...

Conta Fülöp-Milller que, já estando no final da vida, com o corpo cansado pelas muitas provações que sofrera, Santa Teresa D'Ávila havia partido com uma caravana para fundar um novo convento em Burgos. As estradas estavam inundadas pelas chuvas e era necessário atravessar o Rio Arlazón antes de chegar-se ao destino. Tendo sido destruída a ponte, pela força das águas, segundo relata o autor, Teresa atirou-se bravamente à travessia, conclamando suas companheiras com alegria e determinação:

- Venha o que vier. Se desmaiardes no caminho, se morrerdes na estrada, se o mundo for destruído, tudo isto está bem se atingirdes o vosso alvo.

Desse modo, conclamando todas a segui-la, avançou corajosamente pela água gelada. Foi, então, que uma onda a fez escorregar para a parte mais funda do rio. Na luta desesperadora para vencer as águas e sobreviver, vislumbrou a presença excelsa de Jesus. O Mestre Divino ofereceu-lhe o apoio de seus braços fortes, agarrando-a pela mão. Teresa se salvou. Profundamente agradecida pelo amparo celeste, exclamou:

- Ah, Senhor! Graças à sua misericórdia, estou viva! Estou a salvo do perigo!

E Jesus, compassivo, retrucou-lhe:

- Você está vendo, Teresa? É assim, em meio aos perigos da estrada, que eu trato os meus discípulos e os meus amigos queridos!

Teresa D'Ávila ouviu muito atentamente o Senhor. Logo após meditar um pouco, redarguiu ao Mestre, revelando lúcido senso de humor:

– Oh, Senhor, compreendo! É por isso que os tendes tão poucos.

sábado, 8 de março de 2008

A pedra fundamental

Todos os dias eu me pergunto onde está a minha certeza das coisas? Onde está a pedra fundamental onde baseio minhas crenças? É bem razoável que me pergunte isso, certo? Afinal, posso estar me baseando em coisas erradas, e se assim estiver, devo mudar. Dizer que me baseio no amor é muito relativo. O amor é um sentimento que, em tese, é universal, mas pode não ser. Depende da cultura de cada um. Há ateus, que não crêem em Deus, que para a grande maioria é a fonte do amor, mas ainda assim dizem “eu te amo” para seus maridos e esposas. Há os islâmicos (e não o islamismo), que juram que as mortes que causam são em nome do amor a Alá, embora possa dizer que li o Corão e, de acordo com minha interpretação, não há nele uma linha sobre isso. Há os cristãos (e não o cristianismo), que dizem que Cristo é o maior dos exemplos de amor, mas organizaram as Cruzadas em Seu nome. Enfim, há de tudo. Todos os tipos de crenças, religiões, culturas, etc. Em várias delas há os contrapontos a respeito do amor. Para quem crê que Deus é amor, como acreditar quando um ateu lhe diz “eu te amo”? Estranho, não? Paradoxal, eu diria, mas talvez seja verdade. Por que não seria? Na visão dele pode ser. O problema é: de onde vem sua visão de amor? O que é o amor para ele?

Eu, particularmente, acho que o amor é universal, sim. Sua compreensão dele é que não é. E é exatamente por isso que acho que, por mais nobre que seja, este sentimento realmente não deve ser a única base para toda a minha conduta, a minha crença. Explico.

Há quem defenda que no amor vale tudo. Que não há leis no amor. Para mim isso é muito, muito estranho. Recuso-me a acreditar que Deus, que para mim é a fonte do amor, ache natural, por exemplo, um marido espancar a esposa e essa não prestar queixa, pois a justificativa é que ela ama o seu companheiro. Recuso-me que Deus ache normal um filho espancar a mãe e esta não fazer nada a respeito. Recuso-me a acreditar que Deus ache normal que um casal que diz que se ama participa de orgias. Enfim, há muitas coisas que alguns dizem ser feitas em nome do amor, mas que minha percepção de Deus não me deixa acreditar como o sendo realmente. Diversos homens passaram pela Terra ensinando o que é o amor. Eu escolhi, dentre eles, o Cristo. Este homem deixou um mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Não foi só amar a Deus sobre todas as coisas ou só ao próximo como a si mesmo. Foi os dois. Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Sendo assim, Deus vem em primeiro lugar. Ele vem sobre todas as coisas. E por todas podemos incluir nossa própria individualidade. Ora, se devemos amar a Deus acima de tudo, praticar atitudes que sejam contra o que Ele é em essência, ou seja, amor, é não amá-Lo. É, no mínimo, desrespeitá-Lo. Creio eu, em minha pequena compreensão da vida, que há determinadas condutas que, mesmo justificadas com o amor, não condizem com ele. As que citei acima são alguns exemplos. Por isso disse que creio que o amor seja universal. O mesmo já não posso dizer a respeito da compreensão que se tem dele. Isso varia. Sempre, é claro, deturpada pela nossa condição de humanos imperfeitos. É este o motivo de eu não pautar minha conduta apenas pelo amor, pois assim eu poderia estar caindo em erro, poderia dar má interpretação a algo tão sublime e puro. Não me atrevo a conceber uma nova idéia de amor. Pauto, portanto, minha conduta na do homem que, para mim, foi o maior exemplo na Terra: Jesus Cristo. Certamente não me comparo a Ele, mas tenho-O como meu modelo, como aquilo que eu gostaria de ser. Vivo, portanto, tentando ser como Ele. Não consigo, certamente. E, pelo menos sem renascer inúmeras vezes de água e Espírito, como Ele mesmo disse, não conseguirei. Mas tento. É pra Ele que olho. É pra Ele que direciono meus pensamentos. É pra Ele que direciono minhas ações.

Jesus Cristo nos ensinou o amor puro, mas não nos isentou das responsabilidades. Ditou inúmeras normas, apresentou inúmeros exemplos de coisas derivadas do amor. Apresentou restrições àqueles que queiram segui-Lo e ascender ao Reino dos Céus, como Ele chamava. Falou-nos de caridade, de respeito, de oração, de vigilância de atos e pensamentos e de brandura do coração. Lamentou os que faziam a guerra e os que não O davam ouvidos. Calou-se diante do tribunal que o acusava e se fez servo dos que O seguiam, mostrando-lhes a humildade. Mesmo assim, sempre afirmou com certeza e propriedade que Ele era o caminho, a verdade e a vida. Como não lembrar do sermão da montanha e das bem aventuranças? Como esquecer seu pranto no Monte das Oliveiras, aflito pelos momentos do porvir? Ainda na cruz perdoava os inimigos que lá O colocaram. Jesus foi, sim, um imenso exemplo de amor. É respeitado por todos os povos por isso, mesmo aqueles que não O têm como o messias. Mas não foi só isso. Foi um grande educador. Um homem que veio para disciplinar a todos. Repreendia quando necessário. Chamava de hipócritas aqueles que como tais se comportavam. Ordenou que Pedro baixasse a espada e o repreendeu duramente quando este cortou a orelha do soldado que o prendera. Era amoroso, a personificação do amor, mas era severo e disciplinado. Deus o fizera assim. Pensar o contrário era julgar que Deus deixou a critério dos homens o juízo do que é certo e errado baseado apenas em suas próprias interpretações do amor. Fazer isso é negar veementemente que Jesus é, portanto, o messias prometido. É achar que Deus não tem Suas próprias leis. Que nós somos os responsáveis por determiná-las em nossas vidas a nosso bel prazer. Não creio em um Deus perfeito assim.

Negar o Cristo não é um problema para os povos não cristãos, que têm, por sua vez, seus representantes. O problema é quando alguém se diz cristão mas não age como tal, negando que Cristo seja o exemplo máximo de conduta e amor. Todas as religiões, cristãs ou não, possuem seus representantes, seus ícones máximos. Além deles há os que vieram depois para ratificar os exemplos. Em todos os povos da humanidade já nasceram grandes homens e mulheres que sempre ganharam notoriedade por suas condutas e palavras. Santos ou não, vários desses seres humanos marcaram e marcarão para sempre nossas vidas e a história do mundo. Gandhi, Luther King, Mandela, Irmã Dulce, Francisco Cândido Xavier, os seguidos Dalai Lama... Enfim, vários foram os exemplos de amor, mas não apenas de amor, que passaram por aqui. Todos eles, cada um em sua respectiva crença, em seu respectivo meio cultural, social e religioso, seguiam e ensinavam suas regras de conduta aos que passavam por seus caminhos. Nenhum deles interpretava o amor através de sua própria cabeça, de seu próprio raciocínio. Todos tinham uma base, cristã ou não, que seguiam com fervor. O respeito ao ser humano é o primeiro ponto que todos tinham em comum. Não consigo ver qualquer um deles desrespeitando os pais, abusando de seus instintos sexuais, remoendo rancores e ódio sem perdão, falando inverdades a respeito de alguém, principalmente daqueles com os quais mantinham relação próxima. Não os vi fazendo isso e não há registro na história de que tenham feito.

Por isso, meus caros, não tomo apenas o amor como base, pois minha imperfeição humana poderia, e certamente o faria, deturpar o mais sublime dos sentimentos. Aquele que Deus escolheu como sendo seu sinônimo. Prefiro, portanto, seguir os exemplos que já foram dados ao longo da história da humanidade. Os fatos estão aí, basta querer enxergar e, principalmente, seguir. Não sou ou tenho pretensão de ser algum desses homens ou mulheres. Não quero ditar aos outros o que fazer. Exponho a vocês aquilo que julgo poder ajudá-los a achar o caminho, como eu creio que tenha achado. Isso obviamente não quer dizer que este caminho não é cheio de dificuldades que nossa imperfeição vai impedir ou dificultar que sejam transpostos. Não tem problema. Deus ajuda. Ele tudo vê. Ele é o único que nos conhece no íntimo e sabe nossas verdadeiras intenções. É somente a Ele que nossa consciência presta contas. Mas ela presta contas. E não basta que amemos ao amigo, isso até os fariseus fazem, dizia Jesus. Temos que amar os inimigos para ter mérito. É tudo sempre pelo caminho mais difícil para chegar a Deus. Por isso não me atrevo dizer que me basta o amor. Não me basta. Ele me sustenta, é diferente. Ele me move para chegar até onde Deus quer que eu chegue, neste ou em outros tempos. O amor é o mais sublimes dos dons, nos ensinou Paulo de Tarso. Mas este mesmo Paulo provou e ensinou que a disciplina e o cumprimento das tarefas e responsabilidades é fundamental. O amor nos leva a cumpri-las, não o contrário.

Creio que no momento não tenha na Terra alguém encarnado que seja digno de se comparar a esses homens e mulheres maravilhosos que por aqui passaram para nos ensinar. Isso não é importante. O que realmente importa é que tenhamos a consciência de que eles acharam o caminho, e por imensa caridade divina, nos mostraram qual é e, principalmente, como segui-lo. Eu escolhi ir com eles. E você, por onde vai?

sábado, 23 de fevereiro de 2008

O homem das cavernas

Era mais um lindo início de tarde ensolarado naquela pequena cidade. A movimentação era grande, pois estava na hora da troca de turno na única escola que havia por lá. Os alunos da manhã deixavam o ambiente, ao passo que os aprendizes do turno da tarde se aproximavam e aguardavam o momento correto para entrarem para mais uma jornada de aprendizado.

Em um canto perto do portão principal já se havia formado um pequeno grupo de moças e rapazes que conversavam animadamente a respeito das coisas do cotidiano: namoro, amizade, música, enfim, tudo aquilo que jovens saudáveis desta faixa de idade costumam conversar.

Em dado instante um dos rapazes do grupo, de nome Natanael, sentiu a falta de um amigo que costumava participar das conversas e perguntou aos demais, preocupado:

- Por acaso algum de vocês sabe do Pedro? Ele não passou lá em casa para virmos juntos, como fazemos todos os dias, nem chegou até agora. Será que ele está doente?

Diante da resposta negativa de todos, Natanael guardou sua preocupação, para evitar quebrar o clima divertido e amistoso que se formara, e continuou a conversação com os demais colegas.

Do outro lado do portão, dentro do colégio, mais especificamente próximo à sala dos professores, Pedro aguardava ansioso pelo fim da aula do turno da manhã, pois precisava conversar com o professor Demétrius. Estava muito preocupado e queria ouvir alguns conselhos daquele que ele julgava ser o mais bondoso homem existente na cidade, quiçá no mundo.

Não tardou muito para que o aguardado professor chegasse. Ao ver o jovem ali tão cedo e com a expressão um pouco alterada, o gentil ancião perguntou alegremente:

- Pedro, meu filho, o que o traz aqui? Por que você não está lá fora com seus amigos, paquerando as belas moças da sua idade?
- Ah, professor, preciso muito conversar com o senhor. O senhor teria alguns minutos para mim?

Demétrius, solícito, respondeu afirmativamente, convidando-o a entrar com ele na pequena sala dedicada ao descanso dos professores. O anfitrião providenciou uma cadeira e um copo de água para cada um e perguntou ao rapaz:

- Então, meu filho, o que lhe perturba e o traz ao convívio desse homem velho, privando seus amigos de sua agradável companhia?

O jovem mal esperou seu professor acabar a pergunta para começar a narrar, ansioso, aquilo que o afligia.

- Sabe o que é, professor? Eu ando muito triste... Eu olho em volta e vejo que não tenho lá muitos motivos pra ficar assim, mas eu não consigo mudar. Eu tenho os meus amigos que gostam de mim, faço um razoável sucesso com as meninas, não passo fome, tenho pais maravilhosos, mas ando muito triste, sentindo falta de alguma coisa que eu não sei nem o que é. Me sinto mal por isso, pois sei que não deveria ser tão ingrato com a vida... Como vejo que o senhor nunca fica triste, está sempre rindo e sempre brincando com todos nós, vim lhe perguntar qual é o segredo de tamanho bom humor...

Demétrius sorriu. Aquele era mais um jovem que passava pelo velho problema da busca incessante da felicidade. Ele mesmo havia passado por isso quando era daquela idade. Conhecia cada uma das rugas causada por essa insaciável sede intrínseca ao ser humano no ainda jovem rosto do rapaz à sua frente. Com toda a brandura que lhe era inerente, o professor tentou melhorar o ânimo de Pedro.

- Meu bom rapaz, acalme-se. Pergunto-lhe uma coisa: você conhece alguém nesse mundo que tenha tudo aquilo que deseja?
- Não.
- E quantas dessas pessoas que você conhece são felizes.
- Muitas delas. Na verdade, quase todas.
- E por que você não é?
- Não sei, por isso me sinto mal, me sinto culpado e ingrato. Injusto com aqueles que têm menos do que eu. Existe tanta gente no mundo sem família, sem amigos, sem casa pra morar...
- Exatamente, meu filho. Veja este velho homem à sua frente... Se formos levar em conta os bens que possuímos, o que tenho eu se comparado a você? Não tenho mais pais, não tenho mais minha querida esposa que já se foi há alguns anos, não tenho filhos, irmãos ou qualquer pessoa pra cuidar de mim. Moro sozinho e vivo apenas do meu trabalho como professor nesta escola. Apesar disso tudo, você por um acaso já me viu triste andando por aí?
- Não, senhor. É exatamente por isso que vim lhe procurar, “seu” Demétrius... Acho que só o senhor pode me ajudar...

O velho professor, abrindo um sorriso largo, pousou a mão sobre o ombro direito do jovem e disse:

- Deixe-me contar-lhe uma história. Há muitos e muitos anos o mundo era habitado apenas por homens bastante primitivos, que chamamos vulgarmente de “homens das cavernas”, certo?
- Sim.
- Existe uma pequena estória em minha família que é passada de geração em geração, e que foi passada até mim por minha doce, saudosa e querida avó. Essa estória conta um caso interessante que teria acontecido com um homem das cavernas...

“O homem vivia sozinho em sua gruta. Não possuía vizinhos, amigos ou nada que julgasse muito interessante à sua volta. Um belo dia, ele decidiu que nada daquilo valia à pena. Havia se cansado de tanta solidão. Vivera anos daquela maneira. Era chegada a hora de mudar, de ser feliz. Sempre que subia no cume dos morros ele via vales imensos, campos floridos e uma promessa de vida muito mais interessante do que aquela que levava. Estava farto de morar em sua caverna escura, de comer sempre as mesmas frutas, as mesmas espécies de animais e ter apenas os pássaros como companhia.”

“Em uma bela manhã de sol, o homem decidiu juntar suas armas, suas vestes, um pouco de comida e sair em busca de uma morada do outro lado da montanha, onde certamente encontraria sociedade, melhor alimentação e habitação. Partiu, então, com o coração repleto de esperanças, em busca de uma nova vida, de mais alegria e felicidade.”

“Alguns dias de viagem se passaram e o esperançoso homem chegou ao seu destino. Um lindo campo, cheio de flores, frutas e animais que ele não conhecia. Uma infinidade de maravilhas escondidas de seus olhos até aquele momento era ali revelada. Aquele homem solitário nunca havia se sentido tão feliz em toda a sua vida e tinha a total certeza de que tudo aquilo com o que sonhara era, finalmente, seu.”

“Os dias iam passando e as descobertas eram incessantes. Cada novo animal que caçava, cada planta que cheirava, tudo aquilo fazia valer à pena tantos anos de espera.”

“Um dia, porém, a chuva caiu forte e impiedosa. Naquele lindo campo aberto, cheio de nobres e belas manifestações de vida, a fúria da água que vinha do céu era brutal e castigava o homem que, desprotegido, sem sua escura caverna, não tinha onde se esconder. Seguidos e ininterruptos foram os dias de tempestade, até que em uma determinada manhã o sol decidiu brindar novamente o mundo com seu calor e sua força revigorante.”

“Talvez esse tenha sido realmente o dia mais feliz daquele aventureiro homem das cavernas. Os seguidos dias de chuva, vento e frio fizeram com que ele adoecesse, e a luz do sol era um bálsamo que lhe iria trazer de volta a saúde perfeita. Decidiu, então, se alimentar, mas olhou em volta e viu todo o estrago que a tempestade havia causado aos animais que havia caçado. Doente como estava não tinha forças para novas caçadas, muito menos para voltar pra casa.”

“Sua situação foi se agravando dia após dia.”

“Juntando todas as forças que lhe restavam, o homem levantou e decidiu procurar alguma planta para comer, pois a fome era muito grande e caçar era, naquele momento, impossível. Viu algumas ervas que lhe pareciam não venenosas, pois eram bastante perfumadas e bonitas, e decidiu ingeri-las. O pobre aventureiro só conseguiu fazer isto uma vez. Sem o saber, as plantas que ingerira eram levemente venenosas e, como estava muito fraco, não teve forças para reagir, morrendo pouco tempo depois”.

Ante o olhar fixo e atencioso do jovem Pedro, Demétrius prosseguiu.

- Cada um de nós, meu rapaz, dispõe na vida de tudo aquilo de que precisa para alcançar o sucesso e viver bem. O pobre homem das cavernas da estória que acabei de lhe contar julgava que sua morada era escura e solitária, mas era ela que o protegia da chuva que o tornou doente; os animais os quais estava cansado de comer e caçar eram-lhe alimento garantido, o que lhe faltou em seus momentos de convalescença após a chuva; e as belas plantas que tanto invejou se tornaram seu algoz.
“Portanto, meu filho, não procure a felicidade naquilo que está à sua frente ou ao seu redor. Seja feliz com o que tem e use cada um dos seus bens, materiais ou não, para ser feliz. Veja em seus familiares, em seus verdadeiros amigos e em todos aqueles que lhe amam de verdade a caverna que lhe protegerá das tempestades da vida; no alimento que está sob sua mesa todos os dias veja a comida que lhe é garantida e que, ao invés de lhe causar enjôo, lhe deve ser motivo de gratidão, pois lhe mantém vivo e saudável, com forças para estudar e, futuramente, trabalhar para seu próprio sustento. Não inveje as ”flores” que você não possui, pois elas podem ser o caminho para sua perdição. Descubra a felicidade naquilo que você tem, pois certamente ela está lá.”

Pedro estava emocionado. As palavras de Demétrius lhe deram novo ânimo para aquele dia e para muitos outros que o seguiriam. O rapaz agradeceu ao seu professor e saiu para encontrar seus amigos na porta da escola. Ele já estava sentindo falta das conversas e risadas que davam juntos todas as tardes...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A arte de viver

É muito curiosa a arte de viver...

Quando nascemos somos meros fantoches nas mãos dos pais, avós, tios, amigos. Passamos anos de nossas vidas sem poder viver a própria vida. Não sabemos nem mesmo a hora de fazer nossas necessidades mais básicas. Elas simplesmente vêm. O máximo que dá pra fazer é choramingar quando isso acontece, ou quando estamos com fome. Viver, que é bom, nada.

Então crescemos um pouquinho. Vamos criando vontades, gostos e manias. Começamos a correr pela casa, curiosos a cerca de tudo aquilo que já estávamos há meses, às vezes anos, contemplando e nunca tivemos a chance de chegar perto. Tocar nesses objetos é tudo que nos vem à cabeça. Os pais, avós, tios e amigos ainda estão lá, mas já podemos rejeitar um, preferir o outro. Já dá, pelo menos, para andar sozinho e sair correndo pro colo do vovô quando ele chega cheio de presente, ou do papai quando ele chega do trabalho. As coisas começam a melhorar, já dá até pra escolher a comida. Viver parece ser algo muito divertido nesta época.

Aí vem a fase boa de verdade. Parece até mentira que seja possível existir algo tão bom! Vamos ao colégio só pra brincar e dormir depois do lanchinho. Brincamos na areia do playground do edifício ou na piscina do clube onde o papai e a mamãe nos levam no fim de semana. Os amiguinhos da escola vão à nossa casa jogar vídeo-game, vão com a gente no estádio ver os jogos do Fluminense com o papai, mas sempre acabamos saindo mais cedo porque o papai tem medo de sair com a gente na hora que todo mundo sai. Às vezes, quando o jogo é à noite, nós mesmos queremos ir embora, porque o sono é grande. Cansamo-nos demais brincando no playground e na hora do recreio. E nem deu pra tirar a sonequinha no colégio. Acabou essa fase... Agora nós temos que começar a estudar matemática, história, geografia e decorar um monte de coisa que a gente acha que nunca mais vai usar. Quando os anos passam acabamos descobrimos que mesmo aos nove anos já tínhamos razão em alguma coisa que duraria até o dia de morrer: muitas dessas coisas a gente nunca mais vai usar mesmo.

Quando tudo parecia ser impossível de ser melhorado, começa a adolescência. Caramba, que diferença! A voz começa a ficar estranha, o rosto fica cheio de espinhas e os jogos no maracanã com aquele que um dia foi o papai e hoje é o ‘velho’, dão lugar às “baladas” com os amigos. Os jogos de futebol até continuam, mas sem o velho. Com os amigos é mais legal, mais divertido, porque podemos falar à vontade sobre as paixões do colégio, sobre as meninas que a gente acha que vai amar pra sempre – ou até a próxima menina bonita aparecer – e sobre as coisas proibidas. Sou do tempo onde essas coisas proibidas eram apenas jogar bola escondido, ao invés de ir pro curso de inglês. Não havia bebidas, drogas e afins. Essa parte da vida parece ótima em um primeiro momento, mas olhando bem, quando vamos chegando à maior idade, percebemos que não viramos presidentes da república ou não viramos astros do esporte. Muito mal conseguimos ser o líder do grupo ou o primeiro a escolher o time nas peladas do fim de semana. Começamos a perceber que em poucos anos conseguimos amar pra sempre mais mulheres do que podemos contar e que a única coisa que parecia legal também não é bem assim: a liberdade. Se o ‘velho’ não liberar a grana, minha liberdade não difere muito da do canário belga que canta no quintal sobre a máquina de lavar. Pelo menos temos uma arma: a voz. Gritamos, chamamos os ‘velhos’ de caretas e dizemos que eles não nos entendem. Que nós somos a melhor geração que já surgiu, que no nosso tempo é diferente. Ai, ai... Se meu avô estivesse na sala pra ver essa cena teria um deja vu do mesmo discurso há muitos anos, mas ele em meu lugar. Bom, pelo menos estamos chegando lá. Aos dezoito já podemos ter carteira de motorista.

Aí chega a tão esperada idade e a auto-escola não é lá essa princesa tão linda que o espelho mostrava. Há muita maquiagem em seu rosto, e na realidade ela é uma moça bem mais enrugada e espinhenta do que parecia quando se tinha quinze anos. Juro que me lembrava da certeza que tinha nessa época de que aos dezoito ia fazer auto-escola e então pegar o carro do ‘coroa’ e ser feliz. O que deu errado? Simples: o ‘coroa’ não é bobo... Suou muito para levar o filho até ali com aquela educação, suou muito para comprar o carro que já tem dez anos de uso e já não é tão dirigível assim pra arriscar a vida do seu maior bem, recém entrado na maior idade.

“Vou com você”. Lembro como odiei ouvir esta frase. Meu pai (voltou a ser pai aqui. Agora ele tinha carro, tinha que agradar) não confiava em mim. Sabia que tinha que ter sido jogador de vôlei. Seria muito mais fácil. Mas, tudo bem, melhor com ele, do que não ir, não é? Pelo menos poderia dirigir um pouquinho.

Depois de algumas viagens com co-piloto, chega a hora do primeiro “vôo solo”. Lembro claramente como fiquei nervoso. Mas fui todo feliz com o ‘carango’ de mais de dez anos do meu pai, que finalmente confiou em mim. Mas aí ele trocou de carro logo depois, ou vendeu porque precisa do dinheiro, não lembro, e lá se foi a única coisa boa de se fazer dezoito anos... Já que não tem jeito mesmo, vamos pra faculdade, não é? Fazer o quê?

Não dá pra se esquecer o seu primeiro dia de aula em uma faculdade. Claro, estou falando do primeiro dos muitos “primeiro dia” de aula. Porque é claro que encontrar alguém que tenha terminado a primeira faculdade que começou é tão raro quanto achar um político no Brasil que seja digno de confiança. Está bem, exagerei, mas que é raro é. Mas, voltando ao primeiro dia, não dá para esquecer a cara das pessoas com expressão de “uau, que incrível”, menos você, é claro. Todos dizem a mesma coisa: “olha a cara das pessoas. Eu não sei o que tem demais nisso”. Mas todos, sem exceção, têm essa cara nesse dia. Ops, já ia me esquecendo, tem aqueles para os quais este não é o primeiro “primeiro dia”. Estes não têm a cara de “uau”.

Mas é incrível mesmo pensar que crescemos de verdade. “Caramba, vou me formar em algo. Quando sair daqui vou ser alguém, vou arrumar um emprego na área (montar um consultório, em alguns casos) e ganhar dinheiro”. Mas isso logo muda quando vemos que o gerente da loja de roupas onde você vai comprar uma camisa legal para sua primeira festa no grêmio estudantil é formado na profissão que você está estudando. “Ele deu azar”, você pensa, “comigo será diferente”. Mas muitas vezes acontece, alguns meses depois da formatura, de nos lembrarmos do vendedor enquanto lemos o jornal de domingo...

É nessa época que começamos a recordar do papai no maracanã nos jogos do Fluminense, nas brincadeiras na areia do playground e dos campeonatos de Super Mario Brothers com os amigos no vídeo game. Época boa. Começa a bater, esporadicamente, essa nostalgia melancólica dos tempos onde viver era só fazer aquilo de que se gostava e o que se queria. O resto era com papai e mamãe.

Mas a vida continua e os empregos começam a aparecer. A carreira, a ascensão, o progresso, o dinheiro, a independência, o casamento, as contas, os filhos, e tudo recomeça estranhamente, mas desta vez, somos os pais, e depois começará outra vez, mas seremos os avós. Também somos titios nessa época. Louco, muito louco. Ver a vida que vivemos, por outro ponto de vista, é realmente algo muito louco.

É aí que começamos a ver que nem tudo são flores no imenso jardim da vida. É aí que sentamos um dia e decidimos conversar com Deus pedindo para que Ele nos ajude com os problemas, e a resposta que recebemos, ou achamos que recebemos, não é muito bem, como dizer, esperada, óbvia. Parece que se agirmos assim, muita coisa pode dar errado. Aí não agimos, e tudo fica aparentemente certo, como todos esperavam. “Deus deve ter se enganado na resposta. Sou um orgulho pros meus pais. Passei no concurso público”. Parece que chegamos a um grand finale na nossa vida, aquele momento que encerra com chave de ouro todo esse ciclo. Mas um ciclo não se encerra, ele só volta ao começo...

Ta bom, ta bom... Também tem o outro lado. Também tem gente que mora debaixo da ponte, que não tem carro, ou nada disso que eu falei acima. Eu sei disso tudo. Mas eles vivem e vencem mesmo assim. Eles não têm nada, mas sorriem; se alimentam Deus sabe como, mas sobrevivem; Não têm cama quente, mas fazem amor; muitas vezes nem conhecem os pais, mas ainda assim não roubam e trabalham debaixo do sol, com os pés no asfalto pra viver. E vivem. Sorriem. Vibram com o gol do time de coração. E ensinam. Ensinam como devemos viver. Nenhum deles um dia achou que ia mudar o mundo, que ia ser famoso ou algo do tipo, mas viveu até o último momento acreditando que podia viver. Em um mundo tão cheio de injustiças, eles são as estatísticas que comprovam a pobreza e a fome, mas vivem. Vivem acreditando. Acreditam para viver. Vivem por acreditar. E todos os dias, quando a noite chega, eles se unem para espantar o frio e a fome e também para se proteger, para continuar vivendo. E nós, quando a noite chega, nem percebemos. Estamos ocupados demais deitados em nossas confortáveis camas planejando o dia seguinte, lamentando que o governo não nos dá atenção... Se preocupar pra quê? A vida vai chegar amanhã mesmo.

Sabe como vejo a diferença básica entre esses dois mundos? Um sabe o que é a arte de viver e o outro não. Os primeiros, os que conhecem a arte, escrevem diariamente suas peças, onde dirigem e atuam com muita garra e determinação. Escrevem o roteiro e fazem a devida adaptação para o palco da vida. Os outros apenas atuam em uma arte que a cada geração se repete e ninguém lembra mais como começou, nem onde começou. Por isso é louco olhar a vida dos filhos, dos sobrinhos e dos netos com nossos próprios olhos, porque é sempre tudo muito e tão igual, que chega um ponto onde não sabemos mais o que é lembrança e o que é o presente.

Acho que devemos fazer de nossas vidas uma coisa diferente. O mundo não quer que sejamos diferentes? Problema sério esse mesmo... Mas, mesmo quando havia a Santa (???) Inquisição (que descanse em paz), muitos homens e mulheres honrados levantaram suas vozes dizendo “eu não quero ser igual a todos”. Tudo bem, perderam as cabeças nas guilhotinas ou queimaram até a morte em fogueiras, mas tenho certeza de que hoje você só se lembra deles, e não dos filhos da mesmice de sempre...

Tomemos as rédeas de nossas vidas. Escrevamos para ela o nosso próprio roteiro, atuemos e dirijamos. Saiamos da mesmice! Saiamos do ciclo vicioso que leva ao ócio criativo. Não sejamos como os Buendìa de Garcia Marquez. Anarquia? Não, muito pelo contrário, disciplina. Não confundamos anarquia com liberdade. Liberdade exige disciplina, vigilância constante de nossos atos e muito discernimento. Anarquia é a ausência de tudo isso. É liberdade com irresponsabilidade. Há leis que são irrevogáveis, tanto na Terra quanto no Céu. E dessas últimas, queiramos ou não, não escapamos jamais.

Peçamos a Deus a inspiração para escrever o roteiro e a alegria para viver no palco da vida a nossa Vida. Se não for assim, como será? As adversidades sempre existirão, os reveses vão nos acompanhar a vida toda, mas em um bom roteiro, todo momento de tristeza é acompanhado por um toque de comédia, e vice-versa. O ator ajuda muito a fazer a platéia identificar essa variação. Sejamos, pois, assim. Atores principais na vida. Na nossa própria vida, vivendo o roteiro que nós mesmos escrevemos. Deus, o produtor da peça, vai te guiar no caminho que ele quer, mas a interpretação e o roteiro são seus. Você decide onde colocar as cenas e quais serão estas cenas. Mais do que isso, você as interpreta, você é quem vai dizer o quanto elas são tristes ou alegres. Seja um bom ator. Convença a platéia. Faça com que ela te aplauda. Lembre-se que o produtor da peça sempre te assiste enquanto você atua, e no fim, se você o convencer pela boa atuação, ele vai lhe aplaudir de pé.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Saber escolher

Recentemente fui levado pela vida a questionar um monte de coisas a respeito da própria vida. Mais especificamente, de como nos colocamos diante dela, de nossa postura em relação a tudo que nos cerca e a relação disso com nossos próprios anseios, desejos e necessidades. Percebi, portanto, que há uma sutil e quase imperceptível linha que separa a nossa liberdade de escolha do nosso egoísmo. Vi que é muito fácil confundir o nosso livre arbítrio com nossa necessidade de sermos nós mesmos, independente do que aconteça ao redor. E não é bem por aí. Pelo menos não deveria ser...

Percebi como é fácil acharmos que nossos anseios são sempre os mais importantes, que nossas necessidades e dores são as maiores, que nossos gostos são os mais legais, que nossas opções são sempre as corretas. Enfim, é muito comum acharmos que a vida pode ser como desejamos. Comum, sim. Normal não.

O livre arbítrio é individual, certo. Mas o bem estar é coletivo. A harmonia não acontece com um só elemento. Ela só existe se dois ou mais elementos estão envolvidos. Sendo assim, por mais que tenhamos a nossa vida, a nossa individualidade, as nossas escolhas, o nosso livre arbítrio, ainda temos uma preocupação maior: o bem estar coletivo.

Devemos, então, viver a vida de acordo com o que os “outros” pensam? Não, em hipótese alguma. A vida é de cada um de nós, dada a nós por Deus, para que dela façamos o que julgarmos ser o melhor. Mas nunca podemos nos esquecer de que há leis, limites e os nossos direitos são cercados por eles. Violá-los é violar a benção de Deus que é a liberdade com responsabilidade. É comum pensarmos que temos o direito de fazer o que bem entendermos do dom da vida, mas não é assim que prega Jesus. O Mestre deixou claro que todos prestaremos contas dos dons que recebemos, e que nossa obrigação é fazer com que esses dons se multipliquem (Lc 19:11-27).

É complicado e delicado falar sobre isso, porque meu direito de escrever e expor minhas idéias não pode ultrapassar os limites que demarcam o ponto de intromissão na vida alheia. Para não correr esse risco, falarei de mim.

Quando ainda muito jovem iniciei meus estudos do Espiritismo, tive alguns sérios problemas familiares. Meus pais, muito católicos, estranharam muito, se decepcionaram. Levou algum tempo para que eu os mostrasse que as coisas eram bem diferentes do que eles imaginavam, que o Cristo é o foco assim como no Catolicismo, e que esse era um direito meu. Acabaram aceitando, mesmo sem concordar. Houve o respeito, que deve haver sempre.

Aproveito para fazer um breve esclarecimento aqui. Hoje me considero da religião de Deus e de Cristo. Catolicismo, Protestantismo, Espiritismo, Hinduísmo, Budismo, Islamismo, todas essas religiões, em sua essência, levam a Deus, dêem a ele o nome que queiram dar. A prática do homem não pode ser confundida com a essência da mensagem. Não é justo achar que o Catolicismo é uma coisa satânica porque houve a Inquisição, o massacre da noite de São Bartolomeu ou as Cruzadas, todas obras dos homens. O mesmo pode-se dizer do Islamismo, em relação aos homens bomba da atualidade. Independente de minha afinidade ou não com uma crença ou outra, estudei cada uma delas o suficiente para saber que todas, em essência, são positivas e visam a evolução e ascensão do homem. Nós, homens e mulheres imperfeitos, é que damos a cada uma delas o toque de imperfeição. Em todas, sem exceção, há praticantes que não compreendem exatamente a mensagem que deve ser seguida. É aí que entra o respeito e a tolerância em prol do bem estar coletivo. Isso é algo que, infelizmente, ainda está longe de acontecer na Terra, pelo menos nesse aspecto.

Voltando às escolhas. Falava sobre minha inicialização nos estudos do Espiritismo. Algo aparentemente simples, não é? Uma divergência religiosa não deveria causar escândalo, mas causou. Pergunto: eu errei? Sinceramente: julgo que não. Sabe por quê? Porque essa foi uma escolha que, apesar de divergir dos meus pais e da maioria católica neste país, era a minha busca para Deus. Minha busca sincera para Deus. Imagino sempre o caminho inverso. Eu sendo adepto e praticante do Espiritismo e meu filho decide ser católico, por exemplo. Nossa... Penso que ficaria muito feliz. Meu filho buscando Jesus. Maior alegria não pode haver para um pai. Há dogmas que divergem aqui e ali? Sim, mas o “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” está nos dois lugares.

Pensemos agora em uma segunda situação, hipotética desta vez. Se ao invés do Espiritismo eu chegasse em casa dizendo que me iniciei no mundo do crime organizado. É um direito meu? Sim, é. Devo ser respeitado? Sim, claro, como em qualquer escolha na vida, esta deve ser respeitada. Minha escolha me separa de Deus? Sim, separa. Essa, meus amigos, deve ser a medida. Sempre devemos pensar se o que escolhemos nos afasta de Deus. É aí que entra o ponto chave da minha defesa do fato de considerar apenas Deus e Jesus minha religião. Cada credo carrega consigo um punhado de dogmas muitas vezes divergentes entre si, mas todos carregam o amor como pedra fundamental. E o amor já foi personificado neste mundo por muita gente: Jesus, Buda, Francisco de Assis, Gandhi, entre outros. Em minha opinião, o modelo é Jesus, mas o que dizer de Gandhi? Sendo assim, o amor em sua forma pura demonstrado no mundo por vários exemplos de vida é a cerca que deve limitar o terreno da nossa liberdade, da nossa escolha. Assim, mesmo divergindo, nunca sairemos do caminho que leva a Deus. Sem dogmatismos, sem fanatismos, sem guerras ou brigas.

Jesus, quando esteve entre nós, deixou claro que a fé, o amor e a caridade deveriam estar dentro de nós. Sempre nos ensinou a prezar as coisas do espírito. Chamou-nos, inclusive, de deuses. Nunca em sua vida Jesus precisou de templo para pregar, muito pelo contrário. Sempre os respeitou, diz-se que até expulsou vendilhões de um deles, mas nunca colocou como necessário, como condição sine qua non o seu uso para pregar. Pregava nos rios, nos mares, nas montanhas. Dizia que onde dois ou mais estivessem reunidos em seu nome, ele ali estaria. Foi contra excesso de normas e leis, resumindo em um simples mandamento de amor toda a lei de Deus. Sinto-me amparado pelo Mestre em minha escolha. Deixo para os homens o que é dos homens, fico com os mandamentos que vieram de Deus, puro, em sua essência, sem nossas intromissões deturpadas.

Pois bem. Voltemos à hipótese ali de cima. Entrei para o crime organizado. Sou um traficante e minha família, mesmo em dor, respeita minha escolha errada. Se tudo parasse por aí, não haveria problemas a não ser para mim mesmo, que escolhi o caminho errado. Mas não pára. Esse é um tipo de escolha que envolve muitas pessoas. Envolve parentes, amigos, pai e mãe. Quando vou preso, causo dor a meus pais. Quando estou envolvido em um tiroteio e posso morrer, mato lentamente minha família. Quando apareço na televisão algemado e cabisbaixo, exponho minha família e amigos à chacota popular. Quando brigo com a quadrilha rival, meus amigos e parentes mais próximos correm risco de serem mortos por retaliação ou ameaça. Enfim, essa não é uma escolha solitária, uma escolha que só me diz respeito. É uma escolha que, além de me desviar do caminho de Deus, me coloca em choque com os limites de meu livre arbítrio e do livre arbítrio de todos que estão próximos a mim. Há o carma individual, o carma coletivo e coisas do tipo? Sim, podemos dizer que sim. Alguns, pelo menos podem dizer. Mas prefiro não entrar em dogmatismos, seguir o caminho puro e simples do amor e usar as palavras de um homem que admiro muito, o Pe. Fabio de Melo. Permitam-me transcrever-lhes um trecho:

“Minha mãe também me diz, quando saio de casa: “vai com Deus, meu filho! Cuidado na estrada!”. Na frase de minha mãe há duas realidades a serem observadas: o dom e a tarefa. O dom está na primeira expressão: “vai com Deus.” E eu vou mesmo. Ele não sabe me deixar ir sozinho. Na segunda está a tarefa: “cuidado na estrada!”. Na tarefa, a vida resguarda o espaço para a responsabilidade humana. Tenho duas possibilidades diante da fala de minha mãe: acato ou não. Se eu acato, o dom se manifesta. Se não, ele fica ofuscado na minha escolha errada.”
“[...] Em todas as situações humanas há sempre uma parcela de dom a ser recebida, e a uma parcela de esforço a ser executada.”


Como vejo verdade neste pequeno trecho. Acelerar o carro a 200Km/h em condições de chuva é uma escolha minha. Imprudente. Errada. Mas ainda uma escolha minha. Mas ao acontecer o acidente, não se poderá dizer à minha mãe que “Deus quis assim”, ou que “Ele tinha o direito de dirigir como quiser”. Duas coisas: a primeira é que Deus não tem nada com isso. Eu optei pelo suicídio implícito em minha atitude. Deus me respeita. É seu amor sem limites que não Lhe permite não me respeitar. Ele me segue, me guia, me acompanha. Mas se eu não quiser Sua companhia, ele, em todo o seu amor, me respeita mais uma vez e deixa que minha consciência, que Ele também me deu, me guie pela vida. Se não me esforço em fazer minha parte, em ser prudente e responsável, esta é uma responsabilidade minha. A segunda coisa é que não, eu não tinha o direito de dirigir como quisesse, pura e simplesmente. Eu tinha o direito de dirigir como quisesse, contanto que eu não pusesse em risco a minha vida ou a de outras pessoas. Contanto que eu não expusesse a uma situação desnecessária de sofrimento meus pais e todos aqueles que me amam de verdade.

Não há dom maior do que a vida. Não há nada mais precioso a zelar. Não há nada que demande, porém, mais esforço. A vida à qual me refiro é aquela voltada para Deus, para as coisas do espírito. É claro que temos nossas necessidades terrenas, do corpo, e assim sempre será. Temos que trabalhar, incentivar e participar do progresso humano, casar, ter filhos. Tudo isso faz parte da nossa vida. Mas podemos fazer tudo isso sem abandonar a busca por Deus. Sem que para poder ser felizes precisemos de coisas que não condizem com as verdades exemplificadas na Terra por tantos homens e mulheres. Viver é fácil. Viver dessa forma é difícil. E é por isso que acho que muita gente desiste, que muita gente faz escolhas mais simples, egoístas, que ignoram o mundo ao redor e só pensam em sua própria vida, em seu próprio bem estar e em mais nada.

Eu tenho sempre dito que precisamos saber errar. Deixe-me explicar. Somos humanos, e como tal somos imperfeitos. Estamos aqui para que nos melhoremos e ascendamos a Deus, cultivando em nossos espíritos todas as virtudes que conseguirmos cultivar. Portanto, erraremos sempre. Eu, pelo menos, tenho certeza de que vou errar até o último dia de minha vida. Seria hipocrisia dizer o contrário. Viver é uma conquista diária. É aprender a todo momento. É vigiar os próprios atos e pensamentos todo o tempo. É dar-se a Deus pouco a pouco, conforme nossa maturidade vai nos permitindo. Saber errar é errar ciente disso tudo. É corrigir um erro para que ele não mais se repita. É errar um erro novo, diferente. Um erro que serve de lição para que aprendamos, o corrijamos e nos demos mais um pouquinho a Deus. Saber errar é passar todos os momentos da vida tentando corrigir erros anteriores até que finalmente consigamos, para que, pelo menos neste ponto, não tornemos a falhar. É isso que nos diferencia, que nos faz seguir mais ou menos confiantes no caminho difícil da vida. É isso que nos ajuda a identificar escolhas erradas e corrigi-las antes que seja tarde.

Erraremos sempre, tenho certeza. Mas mesmo assim devemos manter em mente as palavras do Mestre, que respeita, absolve, mas adverte e educa, para que nos estimulemos a nos corrigir a todo instante: “Pois bem: nem eu te condeno. Vai, e doravante não tornes a pecar (Jo 8:11)”.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Quem está no leme...

Ao longo de nossas vidas nos deparamos com situações dos mais diversos tipos. Há aquelas que nos deixam felizes, aquelas que nos deixam tristes, aquelas perante as quais ficamos indiferentes, etc. Entretanto, nas situações de conotação negativa (tristeza, dor, angústia, etc.) sempre somos levados a pensar na justiça de tal fato – é curioso como nunca nos questionamos do nosso merecimento a cerca de algo de bom que nos aconteça, como se tivéssemos o direito de sermos sempre abençoados –, se realmente merecemos passar por isso ou se Deus (sempre ele, coitado) está nos castigando por algo que, a princípio, nem mesmo fizemos, ou, se fizemos, não sabemos ou lembramos o que é. Nessas horas é muito comum se ouvir “o que eu fiz para merecer isso, meu Deus?”, ao passo que não tão comumente se ouve “muito obrigado, meu Deus” quando se é abençoado com algo. Mas isso é assunto para outra hora. Quero falar agora sobre outra coisa...

Recordo-me claramente de ter passado por vários desses momentos infelizes, bem como de ter estado ao lado de várias pessoas no momento em que elas viviam seus dias de infortúnios. Lembro claramente do que falavam (e alguns ainda falam até hoje) para mim e do que eu mesmo costumava dizer para essas pessoas, na tentativa de fazer a dor diminuir e de lhes dar esperanças: “Quem está no leme? Não é Deus? Então, sendo assim só pode dar certo no fim”. Olha, com o tempo eu fui vendo que não é bem assim...

Voltemos dois mil anos no tempo. Jesus disse que nem uma folha de uma árvore cai sem que Deus tenha desse fato conhecimento. Creio que uma interpretação literal dessa frase nos levaria a uma grande contradição, pois como poderia estar tudo planejado se temos o livre arbítrio? Para exemplificar: se eu decidir parar de escrever este texto agora e me jogar pela janela, foi fruto do livre arbítrio ou Deus já tinha preparado isso para mim? Se foi fruto do livre arbítrio, mas Deus já sabia previamente que eu ia fazer isso, então meu próprio arbítrio é “programado” antes de eu nascer, o que o impede de ser livre. Porém, uma interpretação não literal da frase de Jesus nos leva à conclusão que, a meu ver, é mais correta.

Creio que Jesus, ao dizer tal frase, tenha apenas afirmado um dos atributos da divindade: a onisciência. Deus tudo sabe, tudo vê. Isso é um consenso em todas as religiões, cristãs ou não. Há, portanto, uma grande diferença em tudo saber e tudo prever, e mais ainda de tudo programar. Voltando ao exemplo acima, Deus certamente veria o momento em que eu iria desistir de escrever e me jogar da janela. Certamente enviaria mensageiros para tentar me dissuadir da idéia através da intuição, de pensamentos, os quais eu poderia ou não ouvir e atender. Aí está, em minha concepção, uma situação onde não há contradição entre o livre arbítrio e a onisciência de Deus. Ele viu, tentou me impedir, mas respeitou minha decisão de não O escutar. Onisciência e livre arbítrio andaram juntos.

Faz-se importante, porém, frisar que as leis de Deus não são baseadas em anarquia, como alguns parecem pensar. Até mesmo nossa liberdade possui regras, deve respeitar leis, e, portanto, deve ser vivida com disciplina. Liberdade exige educação e responsabilidade. É tênue seu limiar com a anarquia, que é, por sua vez, a vivência da liberdade sem a medida das conseqüências. Sendo assim, nosso livre arbítrio tem limites. E isso explica muitos dos casos de mortes inesperadas de muitas pessoas, que é um dos mecanismos que o Criador possui para nos impedir de continuar fazendo mal uso de nossas vidas. Este, por si só, é um assunto muito complexo e delicado e, pessoalmente, não consigo ainda discorrer de forma completa sobre ele sem usar muitos dos conceitos da Doutrina Espírita. Como não é meu objetivo neste momento falar apenas para um nicho de pessoas, vou evitar entrar em detalhes sobre o que penso sobre livre arbítrio, carmas coletivo e individual, causa e efeito, etc. Atenhamo-nos, pois, ao assunto principal deste texto.

Bom, vimos que Deus, apesar de tudo ver e saber, ainda nos dá o livre arbítrio para que definamos os rumos a serem tomados em nossas vidas. Esta liberdade, entretanto, não é livre de limites, muito pelo contrário, carece de educação, disciplina e responsabilidade. É aí que volto ao início do texto e pergunto: quem está realmente no leme? Seria mesmo Deus?

Ora, se temos a liberdade de escolher os rumos para nossa vida, porque seria Deus aquele a “guiar o barco”? Por que jogar para cima Dele a responsabilidade sobre coisas que são, em sua esmagadora maioria, conseqüência de nosso próprio livre arbítrio, de nossos próprios atos? Há uma curiosidade imensa aqui, como já mencionado: Deus é sempre lembrado nas horas de dor, mas raramente o é nas horas de alegria. As conquistas são nossas, acontecem por nosso merecimento, as derrotas são obras de terceiros, onde o Criador está incluído. Por que isso? Comodismo, acredito.

“Livrar-se das responsabilidades é fácil. Difícil é escapar das conseqüências por se ter livrado delas". Bela frase do brilhante Graciliano Ramos. Explica muito do que acontece em nossas vidas. Quando não queremos ver os nossos próprios erros, jogamos a responsabilidade para Deus. “Deus quis assim”. Não, Deus não quis assim. Deus quer nosso progresso, nosso aprendizado, nossa evolução e felicidade. É isso que Ele quer. Qualquer outra coisa diferente disso não é divina, é humana. Somos nós, portanto, que temos que corrigir. Bebemos e dirigimos, aí quando há vítimas há duas hipóteses: “Por que Deus fez isso?” ou “Deus quis assim”. Temos relações sexuais com qualquer pessoa do sexo oposto – para alguns, até do mesmo sexo – que aparece em nossa vida, sem proteção alguma, aí quando as doenças ou a gravidez chegam, as mesmas duas hipóteses reaparecem. E assim se repete para todas as situações de infortúnio que pudermos imaginar. Por que não pensar que a responsabilidade é nossa? Por que os pais não concluem que em muitos dos casos educaram mal seus filhos, deram péssimos exemplos e não souberam levá-los para o caminho da responsabilidade e da disciplina? Porque é mais fácil transferir a responsabilidade para os ombros de alguém. Culpa-se o governo por não manter as estradas bem asfaltadas para justificar um acidente de automóvel com motorista alcoolizado que viajava em excesso de velocidade; culpa-se o “funkeiro” por fazer música que estimule o sexo livre e promíscuo para justificar a gravidez precoce de uma filha. Faz-se de tudo, menos assumir a responsabilidade pelo mal uso do livre arbítrio, mal cumprimento do dever de pai e mãe, mal cumprimento do dever de cidadão e, pior ainda, mal cumprimento das tarefas de um filho de Deus. Qual não foi minha surpresa ao ver recentemente um pai dizer na televisão “se meu filho realmente bateu nesta mulher, ele tem que ser preso e pagar por isso”. Este é um exemplo de alguém que entende o que é disciplina e educação. Se ele não soube educar o filho ou se seus esforços foram em vão – o que é bastante comum – é irrelevante. O importante é que ele assumiu a responsabilidade e, mais do que isso, estava fazendo com que o filho assumisse a sua também. Deus não estava lá sendo acusado injustamente em sua declaração.

Em outra ocasião eu já disse que ao longo da história do mundo não faltaram exemplos a serem seguidos. Basta que queiramos segui-los.

Sendo assim, meu caro leitor, voltando à metáfora do barco, creio que Deus esteja mais para o papel de vento do que para o de marinheiro, que é, certamente, ocupado por nós. O vento pode levar o barco a qualquer lugar, o acompanha em todo o caminho e dá a direção. A escolha de virar o leme para o lado errado é unicamente do marinheiro, o vento não tem qualquer influência sobre isso. Ele só observará o barco indo e vindo, sempre pronto para levá-lo para o caminho certo, bastando apenas que o marinheiro queira virar o leme para lá.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Reis e peões

Já faz bastante tempo que ouvi alguém dizer, não me recordo exatamente onde, que a vida deveria ser como uma caixa de peças de xadrez, onde reis e peões são iguais, assumem a mesma importância. Não me recordo se isso aconteceu em um filme, em um livro, em alguma conversa que tive, ou se até mesmo ouvi por obra do acaso enquanto passava na rua ou tomava um ônibus. Não lembro se a frase era exatamente assim, mas lembro claramente que o sentido era esse. Chamou-me muita atenção essa metáfora, pois a julguei bastante pertinente. Gostaria de falar um pouco sobre ela.

Ao longo da história da humanidade, mais particularmente do cristianismo, vimos diversos exemplos do que se deve e não se deve fazer – supostamente – em nome de Deus. Vimos exemplos completamente antagônicos, que vão de Francisco de Assis à Inquisição. Ambos ocorreram dentro da Igreja Católica, ou ao menos sob seu conhecimento e permissão, mas ilustram obras completamente opostas. Em comum, porém, o fato de ambos se dizerem defensores do Cristo e que tudo que faziam era em nome Deste e de Deus.

Para aqueles que acompanham meus escritos creio não ser segredo minha mais pura e completa admiração ao jovem da Úmbria. É, em minha opinião, o maior exemplo a ser seguido neste planeta depois, é claro, de Jesus Cristo. Penso que ele tenha sido o único a viver de maneira quase totalmente idêntica a como seu mestre viveu. Isso lhe rendeu a alcunha de “o santo dos santos”. Em contrapartida, fatos como a Inquisição, as Cruzadas, dentre outros, são a grande mancha negra que assombra, injustamente, até os dias de hoje a Igreja Católica. Digo injustamente, pois não se pode pagar eternamente por um passado negro, principalmente porque este ocorreu em uma era negra de toda a humanidade. Os que fizeram tais obras não são os mesmos que dirigem o Vaticano hoje. Seria injusta, também, uma situação inversa, onde um passado de glórias apagasse um presente de atrocidades. Há de se delegar a responsabilidade a quem ela é de direito. A Igreja atual não tem qualquer vínculo com os atos de seus antepassados, que interpretaram de maneira extremamente errônea os mandamentos do Cristo. Não é justo, portanto, que paguem por isso.

Refiro-me a esses dois casos para poder chegar à frase mencionada no início deste texto, aquela sobre reis e peões. Julgo completamente pertinentes os exemplos para esta associação e ilustração. Vejamos.

Francisco de Assis viveu de forma extremamente humilde. Abriu mão de tudo aquilo que tinha para recomeçar sua vida com absolutamente nada. Como se diz no popular, começar “do zero”. Seu pai era um comerciante muito rico, mas nem mesmo as roupas que trazia no corpo foram aproveitadas por ele. Tudo que tinha era um manto velho amarrado na cintura por uma corda igualmente velha. Ao longo de seu ministério, o jovem da Úmbria viveu com humildade e simplicidade, colocando todos em lugar de respeito, onde ninguém era maior ou melhor do que ninguém, onde as riquezas e bens do mundo não davam a qualquer pessoa ou instituição o direito de se julgar superior ou mais bem aventurado. A pobreza era para ele uma benção e um grande mecanismo de aprendizado. Era a representação física da simplicidade e humildade de seu espírito iluminado. Fez-se o menor de todos para poder se elevar perante o Senhor, exatamente como ensinou e viveu Jesus Cristo. Não havia para ele a desigualdade entre os homens, pois Deus ama a todos de forma igual. Era assim que ele tentava viver: amando a todos de maneira idêntica. A humanidade era sua família, todos eram seus irmãos e irmãs. Não havia mais nada no mundo de Francisco além do amor a Deus e a obediência aos ensinamentos e exemplos de Jesus.

A direção da Igreja Católica de sua época, como já foi exposto acima, era bastante diferente. É sabido que durante a Idade Média o clero tomou perante o mundo uma posição política, além da religiosa. A Igreja praticamente parou de se dedicar a “salvar almas” para ditar regras e dirigir países. Os reis e governantes em geral daquela época utilizavam a Igreja para obter proteções e recursos para seus reinos, em troca de poder político. Um dos maiores de todos os exemplos disso foram as Cruzadas. A Igreja financiou guerras sanguinárias que mataram milhões de pessoas tendo a figura do Cristo como estandarte. O maior dos pregadores do amor e da paz que já pisou pelo mundo, o homem que não levantou a mão ou a espada nem mesmo para se defender, virou motivo de guerras. Os papas apenas diziam a seus comandados: “É a vontade de Deus”. Será?

Seja como for, a Igreja passou a ser a maior instituição política no mundo da Idade Média. E como toda instituição política, os interesses são sempre negociados e trocados de forma o mais vantajosa possível para ambas as partes. Foi assim que a Igreja ficou extremamente rica. Foi nesta época que surgiram os imensos templos que existem até hoje, cobertos de ouro por todos os lados que se possa imaginar. Foi nessa época que a obstinação cega em expandir seus domínios levou à ruína moral a maior e mais antiga instituição do mundo: a Igreja Católica. A vida do alto clero nesta época era a mais obscura possível, e se não fossem exemplos como o de Francisco de Assis, os rumos corretos, aqueles que se baseiam em viver e defender o puro Evangelho, não teriam sido retomados. Não estou entrando no mérito de a Igreja Católica ser ou não o melhor caminho, se é ou não uma religião pura. Já disse em outras ocasiões o que penso a respeito das religiões e do catolicismo, mas é importante ressaltar apenas o fato de que a Igreja que existiu até o século XV não foi mais a mesma a partir daí. E, principalmente, durante o papado de João Paulo II obteve um grande avanço em suas visões. O resultado disso é o que chamam de Renovação Carismática. Mas este não é o foco aqui.

Voltando ao assunto do principal, pudemos ver a grande diferença de postura de seguidores do Evangelho de Jesus. Francisco, um rapaz rico que se fez pobre e viveu à margem da sociedade da época, realizando suas obras juntamente com seus seguidores, sem o apoio formal da Igreja. Um homem que para muitos foi motivo de escárnio e vergonha, inclusive para seu próprio pai, viveu, aos olhos terrenos, uma vida de peão. Alguém aparentemente sem importância, não muito relevante para o “jogo da vida”, pelo menos se comparado ao alto clero da época. Já este, rico e poderoso, e mais do que isso, governante através dos poderes legítimos das nações, era o próprio rei neste “jogo”. A mais importante das peças, o objetivo de todos; aquele que detém o poder de decidir quando o jogo acaba. Era por e através dele que o mundo caminhava. Era, portanto, o responsável por ditar as regras, o que o fez de maneira bastante equivocada.

Reis e peões conforme descritos acima já passaram e ainda passam com freqüência pelo mundo. E normalmente são colocados nesses papéis por conta própria. O que normalmente acontece é que os papéis se invertem na sociedade. As responsabilidades são deturpadas e o mesmo acaba por acontecer com as ações. Tudo isso porque os mandamentos básicos contidos no Evangelho não são mais seguidos e respeitados pelos “reis”, infelizmente. É nessa hora que devemos pensar na caixa do jogo de xadrez. Quando ela se fechar, quando o jogo acabar, reis e peões estarão lá dentro, todos iguais perante o dono da caixa. É com essa hora, quando as máscaras e fantasias caem, quando os papéis se igualam e todos ficam nas mesmas condições, que devemos nos preocupar. O jogo dura algumas horas, depois voltamos pra caixa. E ficamos lá até que o dono dela decida nos colocar de novo para jogar. Enquanto isso, nos mantemos todos iguais. Não interpretamos papéis perante os olhos do mundo, somos apenas nós mesmos. Além disso, lembre-se: sem os peões para lhe proteger o rei fica muito vulnerável. São os peões que abrem os olhos, os caminhos e fazem o terreno ficar propício para as demais peças. Reis, não se esqueçam disso. Pelo menos não enquanto estiverem no jogo, porque depois dele, quando tudo acaba, reis e peões não existem mais e devem viver em igualdade para sempre. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça...

domingo, 20 de janeiro de 2008

Crer ou não crer?

Crer ou não crer em Deus? Eis a questão.

Perguntava-me ontem a respeito desta tão conturbada questão que assola a humanidade há muitos e muitos séculos. Questão que já matou milhões de pessoas ao longo de nossa história. Questionava sobre a necessidade de existir um deus. Ou melhor, sobre a necessidade de existir um deus em nossas vidas, porque se Deus realmente existir, não adianta nada crermos ou não Nele, pois Ele vai estar lá do mesmo jeito, agindo sobre todas as coisas à nossa revelia. Deus não precisa de nossa aprovação para existir, mas precisa de nossa aprovação para atuar em nossas vidas. Mais do que isso, precisa de nossa aprovação, de nosso desejo, para participar de nossas vidas. Eu, particularmente, creio Nele. E creio muito. E, como amante dele que sou, quero sempre defendê-Lo, antes mesmo de O atacarem.

Gosto muito de falar de Deus. Não ouso reinventá-Lo, redefini-Lo ou tentar dar minha interpretação imperfeita a Suas leis perfeitas. Gosto apenas de crer, de procurar Sua presença nas mínimas coisas do mundo e, principalmente, na minha vida. Gosto de analisar como Ele nos ama e como não Se cansa de demonstrar isso, até mesmo para aqueles que O ignoram e/ou rejeitam.

Para os que amam e crêem em Deus, defini-Lo pode ser incrivelmente difícil ou incrivelmente simples. Normalmente se diz que “Deus é amor”. Para muitos, isso basta. Para outros, não. Mas mesmo para estes, há a certeza de que além de amor, de inteligência suprema, etc., Deus certamente é todo amor. E um amor inconcebível para nós, pois é um amor perfeito e de dimensões infinitas. Nós, em nossa rigorosa finitude, não temos condição de conceber o infinito da forma com ele realmente o é. Nossa vida é toda baseada em noção de tempo, de dias com vinte e quatro horas, semanas com sete dias, meses com vinte e oito, trinta e trinta e um dias, anos com doze meses e trezentos e sessenta e cinco ou trezentos e sessenta e seis dias... Enfim, sem o tempo não sabemos quem somos, quantos anos temos, onde estamos no espaço, a que distância fica uma cidade, etc... Para Deus não há o tempo. Não há o início, tampouco o fim. Deus sempre esteve lá e sempre estará. Apenas esta simples afirmação já causa estranheza, pois há aquela natural vontade de tentar saber quando, em que momento houve o início de Deus. Por isso digo que tentar compreender um amor que sempre existiu e que nunca vai acabar, e que pode amar sem limites, é muito difícil – diria que impossível – para nós, tão limitados em nossa condição de humanos imperfeitos, finitos e restritos.

Para os que não crêem, toda e qualquer menção a Deus soa piegas, igrejista e fanaticamente religiosa. É algo que incomoda e vira motivo de risadas nas rodas de amigos que não acreditam na existência da força suprema. É um direito deles, certo? Podemos agir da maneira que julgarmos melhor, mas isso não nos isenta da responsabilidade dos atos e das palavras. Nessas horas, penso como deve ser bom ser ateu. Não há futuro. Quando encerrar-se a vida na Terra, se encerrou tudo. Qualquer coisa que eu faça nunca será julgada, tudo vale. Queimar mendigos e/ou índios no meio da madrugada vale, pois se ninguém ficar sabendo não serei preso e não pagarei pelo crime. Ser ateu é, sem dúvidas, uma maravilha nessas horas. Pode até ser, mas seria sempre bom lembrar que não é porque não creio em algo que esse algo não existe.

O mudo de nascença não sabe que existe o som, mas ele existe. Você pode alegar que ele não conhece o som, mas vê os outros o emitindo. Analogamente, para os ateus há os que crêem. Para o mudo o som pode ser uma invenção criada pelos demais. Pode realmente não existir. Ser apenas um delírio coletivo. Que provas palpáveis ele, o mudo, tem a respeito da existência do som? Um livro de física? É um escrito que descreve algo que ele não conhece fisicamente (não vê, não toca, não percebe com qualquer sentido do corpo), assim como a Bíblia ou outros livros religiosos descrevem um Deus que também não pode ser conhecido fisicamente. Definições das páginas dos livros e experiências alheias convencem o mudo de que há o som, mas não convencem os ateus de que há um deus. Sempre me perguntarei o porquê disso...

Seja como for, para mim há um deus. Há Deus. E Ele, em sua tamanha bondade, nos ama a todos, crendo Nele ou não. E, por mais curioso que pareça, é através dos ateus que ele demonstra um de seus maiores gestos de amor. Ele os ama, os ajuda, os respeita em seu livre-arbítrio, mas nunca Se mostra pra eles de forma ostensiva. Aguarda calmamente em Sua inexorável eternidade que estes decidam procurá-Lo. Ele os ama em silêncio, calado, de forma platônica, esperando que um dia possa ser notado. Assim Ele demonstra todo o seu amor e sua bondade. E aqueles que crêem e têm olhos para ver, que vejam...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Coisas que a gente vê na TV

É muito comum vermos em programas de televisão representantes de alguns ramos da ciência, da saúde, da política, etc., darem suas opiniões ou pareceres a respeito de assuntos relativos a suas áreas. Vemos acadêmicos, professores, mestres e doutores discorrendo amplamente sobre um tema que, na maioria das vezes, desconhecemos ou não conhecemos o suficiente para emitir um parecer. Poucas são as oportunidades onde o assunto tratado é de amplo domínio da maioria. Comigo, pelo menos, é assim. São poucos os casos onde digo "sim" ou "não" ao que está sendo dito. Na maioria das vezes apenas ouço para aprender e conhecer um pouco do assunto.

No dia de ontem, porém, vi duas coisas na TV que me chamaram muito a atenção por motivos antagônicos. Um me deixou surpreso e feliz, o outro chocado e decepcionado.

Faz-se necessário frisar que todas as pessoas que aparecem de alguma forma no rádio ou na televisão, dos programas de auditório às novelas, dos telejornais aos reality shows, tornam-se pessoas públicas. Toda pessoa pública está sujeita a ter admiradores e detratores. Há os que gostam e os que desgostam. Somando-se a isso o fato de que a televisão, por si só, já é uma formadora de opinião. Um mero desconhecido que ganha trinta segundos pra falar em um programa jornalístico é, automaticamente, um formador de opinião, pois usa para se expressar um veículo que originalmente o é. Para aqueles que, como eu, não conhecem o assunto tratado, seus trinta segundos são mais do que importantes para, no mínimo, iniciar a formação da idéia daquele conceito ou assunto em suas mentes. Portanto, é de muita responsabilidade o papel de qualquer um que apareça na televisão ou no rádio, principalmente quando vai opinar sobre algum assunto de interesse público.

Vou começar pelo assunto que me decepcionou. Porém, antes de começar, deixo bem claro que não estou defendendo ou condenando qualquer pessoa ou religião. Tenho minhas crenças e deixo-as bem claras. Sinto-me, entretanto, no direito de expor minha opinião a respeito de qualquer assunto, contanto que assim o fazendo não agrida ou ofenda ninguém. E não julgo estar agindo assim. Portanto, vamos aos fatos.

Ontem, em um programa de variedades diário que passa às tardes, vi uma médium dando entrevistas e respondendo ao vivo perguntas previamente elaboradas por telespectadores. Abro aqui uma brecha para falar um pouco, muito pouco mesmo, sobre o fundamento do Espiritismo. Esta doutrina religiosa é cristã em sua essência e concepção, e como tal, prega o amor a Deus e ao próximo, os mandamentos do Cristo, tais como a caridade, abnegação e culto aos bens do espírito. Na verdade, a grande diferença do Espiritismo para o Catolicismo são algumas questões dogmáticas, principalmente a reencarnação. Porém, a essência da mensagem do Cristo é preservada, como se pode facilmente comprovar através de uma leitura de O Livro dos Espíritos e de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que nada mais é do que uma interpretação à luz da Doutrina Espírita das palavras de Jesus.

Pois bem, continuemos. Durante o programa, a referida médium, que é por si só muitíssimo polêmica dentro do Espiritismo, afirmou categoricamente que devemos viver a vida aqui, sem se importar com o que acontece do lado de lá, se vamos para o umbral ou não. Afirmou que Deus quer que colecionemos bens na Terra, que "o lado de lá" nós nos preocupamos depois. Pensei na hora: "Se há alguém que deseja destruir o Espiritismo vendo este programa, acaba de ganhar muita munição". Meus caros, foi realmente impressionante pra mim, cristão, que aprendi dentro do Espiritismo e em casa, principalmente, com meus pais católicos, que a grande virtude de Jesus foi a abnegação dos bens materiais; que o próprio Mestre não cansava de dizer que o reino Dele não é deste mundo; que devemos cultivar os bens do espírito e não os terrenos, etc. Garanto-lhes: o que está em O Evangelho Segundo o Espiritismo e em O Livro dos Espíritos não é em nada semelhante ao que esta senhora disse. É muito mais do que óbvio, e isso também está lá, que Deus nos quer felizes, nos quer bem e nos ama, querendo que levemos uma vida feliz. Isso está lá porque está no Evangelho, portanto, sendo uma doutrina cristã, não poderia ser diferente. Porém, os nossos bens terrenos são mero veículo para que possamos ter as condições de alcançar os bens do espírito. Eles devem servir para que possamos viver bem, mas não para que sejam o objetivo principal. Se um ouvido um pouco menos preparado ouve as afirmações desta senhora pode pensar que o Espiritismo fomenta o orgulho e a ganância, o que não é verdade. Por favor, não creiam fielmente no que esta senhora diz sem antes procurarem saber na fonte da doutrina Espírita qual é realmente sua mensagem.

É importante deixar claro que esta não é uma campanha contra os bens terrenos ou que eu esteja sugerindo votos de pobreza a todos. De forma alguma, muito pelo contrário. Acho, sim, que devemos ir em busca do progresso individual, mas sem esquecer o coletivo. Se trabalhamos duro para ter nosso salário e desejamos nos dar o conforto de um carro ou de uma casa aconchegante, temos o direito de assim fazer. Se desejamos praticar esportes para manter nosso corpo saudável e nos ajudar a livrar do stress do dia-a-dia, que assim o façamos. Se podemos nos custear viagens de férias para nós e nossas famílias, que assim seja. Desejo tudo isso para mim e para todos nós. Trabalho para isso, inclusive. Nunca devemos, porém, esquecer dos mandamentos e, principalmente, dos exemplos sagrados do Cristo. Os valores do espírito são os mais importantes, portanto, devemos mais do que qualquer outra coisa, pensar no que vamos levar efetivamente desta vida quando dela partirmos. Os bens da Terra ficam na Terra. Os do espírito o acompanham quando este se vai. Preocupemo-nos cada dia mais com a vida após a vida, pois é ela que dura para sempre.

Não condeno a senhora por pensar como pensa, é um direito dela. Mas também é um direito meu querer seguir o que está escrito e foi exemplificado pelos grandes homens e mulheres da humanidade.

Enquanto isso...
Na madrugada de ontem para hoje, assistia a uma partida de tênis daquele que é considerado o melhor tenista da atualidade e, para a grande maioria (na qual me incluo), quase a unanimidade, o maior de todos os tempos. Seu adversário era um jogador muito famoso no circuito profissional, já joga há muitos anos, e é notoriamente conhecido por sua grande habilidade, garra e velocidade. O jogo foi um massacre. O número um do mundo venceu de maneira arrasadora por um placar humilhante. A forma de vencer, entretanto, foi honrosa e humilde.

Há no tênis uma maneira de se demonstrar respeito e admiração pelo adversário, quase que uma representação de uma genuflexão perante ele. Ao fim do jogo, o jogador deve passar por sobre a rede para cumprimentar seu oponente do outro lado da quadra. E ao finalizar a partida, o melhor de todos os tempos fez essa incrível e inesperada demonstração de respeito, algo que nunca havia feito em toda a sua carreira. Foi, obviamente, ovacionado no estádio. Esta foi a maneira que encontrou para evitar a euforia, evitar que a vaidade o consumisse pela esmagadora vitória perante um adversário tão indigno de tê-la sofrido. Em respeito à história de seu oponente no esporte e a seu comportamento durante o jogo, ele decidiu agir assim.

Vejo claramente que em ambos os casos fica nítido quem entendeu melhor as mensagens deixadas por Deus sobre a Terra através de seus vários mensageiros. É necessário, realmente, aplaudir de pé um homem milionário, que fatura mais de dez milhões de dólares por ano, mas mesmo assim não se esquece daquilo que uma religiosa nos manda esquecer.

Pense nisso. Pense naquilo que você vê na TV.