domingo, 30 de março de 2008

Julgamentos

Questão importantíssima na vida humana, o julgamento pode assumir duas caras. Podemos encará-lo como o julgamento de alguém por parte de outrem, ou como o julgamento de alguma situação. Um, necessariamente, depende do outro. Não são, porém, a mesma coisa.

Podemos encarar, primeiramente, o julgamento com uma conotação de análise. Por exemplo, antes de agir temos sempre que julgar a situação. Antes de chutar a bola o jogador de futebol de fazer um julgamento da situação. Analisar as possibilidades, verificar se há companheiros mais bem colocados, em melhores condições de fazer o gol. Analisar a que distância está da meta e se seu corpo conseguiria chutar uma bola com risco de êxito da posição em que está. Se escolher a segunda opção e chutar a bola mas não conseguir vencer o goleiro, pode ter havido um erro de julgamento de sua parte. Ou não. Pode ter julgado corretamente, mas na hora de executar o ato algum outro fator acabou impedindo o êxito, por exemplo, um pouco mais de altura na bola e esta bateu na trave ao invés de entrar, ou um desvio por parte de algum jogador do time adversário.

Há, porém, o julgamento mais popularmente conhecido e difundido, que é o julgamento de valores. Este está submetido a leis e há juízes, advogados e promotores. Há um processo, onde provas e contraprovas são apresentadas e, em uma análise conjunta de várias pessoas, onde o juiz dirige os envolvidos e tem opinião bastante decisiva, às vezes definitiva, chega-se a um veredicto, que por sua vez pode não ser o mais correto, pois pode advir de um erro de julgamento. Não deste, mas do outro do parágrafo anterior.

Em muitos momentos em nossas vidas nos deparamos com situações bastante delicadas e muitas vezes de aparente insolubilidade. E tudo se torna pior quando precisamos agir perante essa situação. Ficar indiferente ou impassível faz-se impossível, em alguns momentos. O que fazer quando isso acontece? Os eventos requerem uma ação nossa, mas há muito risco em agir. E se cometermos um erro de julgamento e nossa ação tomar um rumo oposto ao que achamos que iria inicialmente? Situações assim são extremamente delicadas e creio que quase todos nós já passamos por elas, e provavelmente ainda vamos passar outras vezes. Normalmente acontece no ambiente familiar, onde sempre se deve prezar a harmonia e a paz. Qualquer erro de julgamento de qualquer um dos envolvidos no problema pode ser fatal. Tentarei, por partes, falar sobre o que penso a respeito. Veremos que um erro de julgamento nosso pode nos levar a outro julgamento, mas dessa vez estaremos sentados no banco dos réus.

O primeiro ponto: o fato. O que está acontecendo de verdade? Nossa primeira observação em situações como essa deve ser bastante profunda. Temos que pensar sobre o fato. O que temos de indícios e/ou provas a respeito dele? É viável? Há vários momentos onde nos deparamos com coisas que não são o que parecem ser, ao passo que podemos ver coisas que não parecem ser o que são, mas são. Sendo assim, essa primeira análise, a de identificar o fato, deve ser muito bem feita e muito profunda. Os olhos devem estar bem abertos para conseguirmos ver com a maior clareza possível, apesar de isso não garantir que assim o conseguiremos.

O segundo ponto: os envolvidos. Com um fato em mãos, devemos partir para o segundo ponto, que é a análise dos envolvidos. Qual o grau de confiança de cada um dos envolvidos no assunto? O quanto conhecemos a fundo essas pessoas? Aqui entra novamente a questão a respeito do ser o que não parece e parecer o que não é, mas é. Conhecer alguém profundamente é uma tarefa de anos, onde afinidade, intimidade e confiança são fundamentais. Quão maiores forem os índices dessas três variáveis, menor o tempo que se leva para conhecer alguém a fundo. E essa relação de conhecimento é bilateral. Ambos têm que trabalhar sobre essas variáveis para que tudo seja o mais honesto e sincero possível. Não pode haver segredos de nenhum dos dois lados se deseja-se alcançar uma relação de profundo conhecimento. Situações delicadas como a que estou querendo descrever exigem sempre o conhecimento mais profundo possível das pessoas envolvidas no fato. Até mesmo porque isso pode interferir no fato em si. Vejamos um exemplo totalmente hipotético. Meu fato é: alguém está fazendo macumba (sem intenção ou conotação pejorativa, certo? Apenas usando um termo bastante usado popularmente, porém nem sempre corretamente, para fácil compreensão) para que eu largue minha esposa. É viável? Sim, claro. Já vi de tudo nesse mundo. Cheguemos, pois, aos supostos envolvidos. Neste caso acabo descobrindo que é minha mãe. Em tese, poderia parar a investigação imediatamente. Conheço o suficiente minha mãe para afirmar duas coisas. A primeira é que ela ama demais o Cristo para traí-lo desejando o mal a um filho. A segunda é que ela jamais faria macumba, dada sua fé em sua religião. Poderia interromper aí o meu julgamento ou partir em busca de novos suspeitos. Como sempre devemos esclarecer ao máximo as coisas e não confiar em ninguém cegamente, devemos continuar sempre a investigação até o fim. Porém, caso o suspeito não fosse minha mãe, mas sim um ex-namorado de minha esposa, as coisas ficariam bem mais viáveis e eu continuaria minha análise. É nesse aspecto que se torna fundamental o conhecimento dos envolvidos. E, repito, esta relação de profundo conhecimento se dá bilateralmente, quando não há qualquer segredo em qualquer direção. Onde há segredo não há confiança. E não me refiro a segredos de fatos, mas segredos de fundo moral, de personalidade. Por exemplo, há um segredo sobre um desvio de conduta ética, como pequenos furtos ou preconceito com pessoas de outra cor. As personalidades envolvidas na relação devem se conhecer por completo, mesmo que haja fatos escondidos. É por isso que esta é a parte que considero a mais difícil de todo esse julgamento, pois até que ponto podemos ou não saber se conhecemos alguém profundamente?

O terceiro ponto: as provas. Provavelmente quando chegamos aqui temos, no mínimo, um forte indício. E ao contrário do que alguns pensam, há, sim, julgamentos por indícios, sem provas, pois é pra isso que serve todo esse processo de análise: pra ver se indícios se tornam, na verdade, em provas. Assim como o segundo ponto depende do primeiro, este aqui depende do anterior. Indícios podem ganhar ou perder força dependendo das pessoas envolvidas. Voltando à situação hipotética levantada acima, uma foto de minha mãe ou do suposto ex-namorado fazendo a tal macumba iria mudar muita coisa a respeito do que eu poderia estar pensando, mas não seria prova definitiva, visto que poderia ser uma montagem. Já algo menos concreto e contundente do que uma foto – uma testemunha, por exemplo – nos traria a outro contexto. Testemunhas são seres humanos e, como tal, são imperfeitos. Além disso, sua índole e sua moral variam muito entre uma e outra pessoa. Por isso, teríamos que ter também um grau de conhecimento da testemunha, o que nem sempre é possível. Ou seja, se não há provas ou indícios de nada, o mais prudente é suspender a análise e ir à busca deles. É melhor do que acusar alguém injustamente. Se há ao menos um indício, sigamos com o julgamento.

O quarto e último ponto: a ação. Este é, sem dúvidas, o momento mais delicado de todos. Não o mais difícil, mas o mais delicado. Dependendo de como agirmos, tudo que foi analisado pode ir por água abaixo. Mesmo se tivermos razão, provas, etc., se tomarmos a atitude errada podemos pôr tudo a perder. Além disso, nossa atitude posso ser interpretada errada. É por isso, portanto, que vou dispensar um certo tempo neste tópico.

Acontece ciclicamente em casos como esse a necessidade de julgamento de valores, de idéias, de ideais, de moral, etc. Não o julgamento acusativo, mas aquele que te faz entender a situação, as ações das pessoas que estão envolvidas. Isso se dá em todos os lados do problema. Quando partimos para a ação, passamos a abrir o espaço para que os atingidos por ela julguem tudo o que estamos fazendo. Por isso devemos ter o maior cuidado ao decidir o que fazer. Devemos analisar muito bem o fato, quem está envolvido e o quanto o conhecemos, além do número e da confiabilidade das provas que temos. Só assim poderemos agir. Por experiência própria, posso dizer que nesta hora o conhecimento dos envolvidos se torna bastante importante. Decisivo, eu diria. Voltemos mais uma vez à hipotética macumba. Suponhamos que minha mãe fosse a envolvida e que eu decidisse ir conversar com ela a respeito. Existem duas alternativas. A primeira: ela confirmar o fato, o que me causaria completa decepção, visto que acabaria de constatar que não conheço nem mesmo minha mãe, que é capaz de desejar o mal do próprio filho. A segunda: ela negar. Se isto acontecesse, certamente, pelo que a conheço, ela me perdoaria por ter levado a ela tal desconfiança, mas dadas as minhas provas e/ou indícios, ela entenderia. Mas, certamente, me ajudaria a esclarecer as coisas. Vejamos o caso agora com o envolvido sendo o ex-namorado de minha esposa e minha decisão fosse também ir falar com ele. Ele poderia confirmar, o que me levaria a um novo julgamento, mas dessa vez sobre o que fazer, ou poderia negar. Se ele negasse, eu cairia em um novo problema: não o conhecer o suficiente para saber se ele está falando a verdade. Sim, isso tudo é muito complicado.

Obviamente cada caso é um caso e cada um tem seus critérios de julgamento. O que quero mostrar é que antes de agirmos em uma situação delicada, que ameaça a paz e a harmonia, mesmo que tenhamos boa intenção, podemos não ser compreendidos. Imaginemos que no hipotético caso que mencionei acima, minha mãe negasse, que isto fosse verdade, mas que ela, ao invés de agir como previ e escrevi acima, se magoasse comigo de tal forma, mesmo com todas as minhas provas/indícios, que parasse de falar comigo, ou que chorasse por dias dada a tristeza e/ou decepção pela minha desconfiança, enfim, qualquer coisa com conotação negativa a respeito do que fiz.

Muitas vezes queremos apenas zelar pelas pessoas que amamos, queremos ter a certeza de que está tudo bem, queremos alertar, prevenir, ajudar, mas ainda assim podemos ser mal compreendidos, mesmo tendo nossas muitas razões. Aí entra em cena outro fator: o estado de espírito, de paz espiritual que a pessoa envolvida se encontra.

Além dos quatro pontos que coloquei acima, no segundo deles, os envolvidos, há a questão muitíssimo pessoal do estado de espírito. Tanto nós quanto os demais envolvidos na situação podemos estar passando por problemas espirituais, que certamente interferirão negativamente no julgamento de todo o caso. A influência negativa em nossa mente – que pode variar muito de intensidade, desde a mais sutil até a mais agressiva – faz com que não consigamos ver as coisas exatamente como elas são. O mais grave disso é que, em quase todos os casos onde isto acontece, o influenciado não se sabe e/ou percebe assim. Por isso a constante vigilância de nossos pensamentos e atos, mantendo sempre ideais elevados, que estejam de acordo com os preceitos morais mais nobres, seja em que área da vida seja, é o recomendado para o nosso dia-a-dia. Só assim poderemos diminuir muito, praticamente neutralizar, as chances dessa influência nociva, à qual todos estamos sujeitos. Essa vigilância deve ser constante, e deve durar o dia todo, todos os dias.

Assumamos que, ainda no exemplo acima, a reação de minha mãe tenha sido a de negar e ficar magoada comigo. Poderia ela estar passando por alguma influência que não a permita ver que eu não quis magoá-la, ofendê-la e apenas esclarecer um assunto que chegou até mim? Que o fato de ela reagir sem a compreensão esperada por um amor materno possa ser resultado de uma influência negativa que quer prejudicá-la ou a mim? Sim, pode. E é bem provável que seja. O que devemos fazer nessas horas é não forçar o convencimento. Se ela estiver sob influência não nos escutará. Cabe a nós a demonstração pelo exemplo, pela oração e pela compreensão, para que isso possa, naturalmente, com o passar do sagrado tempo, demonstrar a verdade. Nunca devemos desistir. Lembremo-nos de que a paz e o bem comum devem sempre prevalecer, e que nada nesta vida acontece por acaso. Tudo tem uma causa que Deus conhece. Tudo pelo que passamos nos deve servir de aprendizado para o enobrecimento interior.

São complicadas, muito mais do que parecem, as relações humanas sem afetar o bem comum. O exemplo acima é apenas uma hipótese, mas quantos de nós já não passamos por situações muito delicadas com pessoas muito queridas onde houve um aumento do problema por um erro de julgamento de alguma das partes envolvidas? Isso é muitíssimo comum. Cabe a nós manter o espírito em melhor estado possível para quando estes momentos chegarem estarmos mais aptos a pensar em todas essas coisas que mencionei, além, é claro, das particularidades de cada caso. A análise deve ser cuidadosa. Se a reação for inesperada e negativa, cabe a nós a paciência e tolerância mediante o problema, sempre rezando e exemplificando as nossas idéias na nossa vida, nas nossas atitudes, para poder demonstrar pouco a pouco aos envolvidos que tínhamos razão. É, sim, muito difícil. É, sim, muito delicado. Mas é aí que está o mérito: no êxito sobre as provas difíceis que a vida nos impõe.

Nesta parte somos automaticamente levados ao outro ponto deste texto, o outro julgamento. Aquele onde há juízes, advogados e réus. É muito comum que as pessoas que não entendem a nossa atitude, a nossa opinião, pensem que as estamos julgando, mas desta vez o julgamento que leva à condenação. A maior parte do problema que nasce com a má interpretação de nossa atitude reside aí. A confusão toda nasce na idéia de que, uma vez que estamos apontando um problema, estamos condenando a pessoa por ele. Vêem-nos como promotores sedentos pela vitória. Isso é comum. É muito natural que isso aconteça, principalmente se o indivíduo estiver vivendo em uma psicosfera negativa, má influenciada em seu ambiente espiritual. Essas má influências dificultarão a compreensão do fato, dos argumentos apresentados e das atitudes tomadas por nós. A visão espiritual fica turva, dadas as sombras que a envolvem. Como já disse: é fundamental que tentemos ao máximo agir sempre de acordo com a mais correta moral. É óbvio que dadas as nossas fraquezas isso é quase impossível, mas apenas por sempre pensarmos assim, por sempre vigiarmos nossos pensamentos e ações, o caminho já está sendo percorrido, já é um grande passo. Assim a nossa sintonia com as coisas boas, com os ambientes de luz fica maior e a força para seguir em frente também aumenta, afastando as sombras. Nesses casos temos que ter a paciência, manter a oração intercessora e a demonstração pelos exemplos, principalmente. Cabe a nós evitar que o problema se agrave e compreender que somente o tempo pode dar as condições para que a luz aja e renove o espírito da pessoa. Tentar demonstrar que não condena o que a pessoa fez ou faz, apesar de discordar dela, raramente resolve nesses casos. Só a experiência do tempo e a oração com fé podem agir. É importante deixar claro que devemos também fazer uma auto-análise para identificar se realmente não estamos agindo com condenação. Se assim o estivermos, cabe a nós mudar esta postura, sempre compreendendo e respeitando as escolhas do próximo.

Um fato muito comum de acontecer em situações dessa natureza é a citação por parte da pessoa do ”não julgueis para não serdes julgados” e do ”retira primeiro a trave do teu olho antes de enxergar o cisco no olho do próximo” instituídos por Jesus. Gostaria de discorrer um pouco sobre essas frases.

Creio que quando Jesus disse para não julgarmos, ele se referia ao que mencionei um pouco acima. Não é porque você não concorda com uma opinião ou atitude de alguém que você deva condená-la por isso, excluí-la de seu meio ou de sua vida. Muito pelo contrário. Cabe a você perceber, sim, o erro – até para não cometê-lo também –, alertar a pessoa a quem você tem afeto, e continuar sua relação com ela, independente do que aconteça. Óbvio que não estou falando aqui em situações de adultério, por exemplo, você precise continuar com seu companheiro se ele ou ela tem outra pessoa. Em casos assim, é razoável que procuremos o que é melhor pra nós. A beleza está, portanto, na arte do perdão, que permitirá que continuemos a relação com essa pessoa, mas de uma outra maneira, como colega ou amigo. A questão em análise aqui é diferente. Não é o perdão das ofensas, mas sim a capacidade de vivermos em sociedade harmonicamente respeitando as diferenças, evitando acusações e condenações, pois devemos ter sempre em mente que somos também passíveis de estar no “banco dos réus” a qualquer momento.

Voltando à frase de Jesus, ele próprio em várias ocasiões percebeu e apontou vários erros (que são expostos como pecados no Evangelho) e atuou sobre eles. Erros, inclusive, de cunho político e religioso da época, não apenas os erros individuais. Porém, mesmo intercedendo, ele nunca condenou ninguém. Sempre perdoou e trouxe, ou tentou trazer, essas pessoas para junto de si. É assim que devemos agir. O fato de percebermos um problema, uma idéia que não condiz com o que pensamos ser certo, não nos dá o direito de condenar ninguém. Muito pelo contrário.

É neste ponto que entra a outra frase de Jesus, a de olharmos primeiro pra trave em nosso olho antes do cisco no olho do outro. Que direito temos de condenar os erros de qualquer pessoa, quando estamos tão cheios de erros também dentro de nós? Reparem que nos parágrafos acima em todo o tempo eu mencionava a nossa própria avaliação, a vigilância de nossa conduta e de nossos pensamentos, sempre visando nos corrigir. Isto é tirar a trave de nossos olhos. Acusar é fácil, se corrigir é difícil. Temos que nos corrigir constantemente para estarmos sempre, ou o maior tempo possível, dentro do caminho do bem. Isso nos dá o direito de tentar ajudar nossos semelhantes mostrando-lhes o que está errado e pode ser mudado. Isso não é acusar. É ajudar, é educar. E, se temos a nossa própria conduta como exemplo, nosso apontamento ganha força. O exemplo é a chave de tudo.

Portanto, cuidemo-nos todos com os erros de julgamento. Somos passados a essa prova diariamente, a todo o tempo. A correta interpretação das atitudes e palavras de outrem é muito difícil e exige muito cuidado e análise de diversos fatores. Tentemos fazer como Jesus, que sempre deu o exemplo, sempre agiu sobre as coisas do espírito, corrigindo e educando, mas nunca condenando. É claro que podem pensar que os estamos condenando, isto é algo que acontece, principalmente quando há má influência, mas nunca podemos deixar que esse pensamento seja realmente verdade. Com certeza, um dia seremos nós sentados no banco dos réus.

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