É muito curiosa a arte de viver...
Quando nascemos somos meros fantoches nas mãos dos pais, avós, tios, amigos. Passamos anos de nossas vidas sem poder viver a própria vida. Não sabemos nem mesmo a hora de fazer nossas necessidades mais básicas. Elas simplesmente vêm. O máximo que dá pra fazer é choramingar quando isso acontece, ou quando estamos com fome. Viver, que é bom, nada.
Então crescemos um pouquinho. Vamos criando vontades, gostos e manias. Começamos a correr pela casa, curiosos a cerca de tudo aquilo que já estávamos há meses, às vezes anos, contemplando e nunca tivemos a chance de chegar perto. Tocar nesses objetos é tudo que nos vem à cabeça. Os pais, avós, tios e amigos ainda estão lá, mas já podemos rejeitar um, preferir o outro. Já dá, pelo menos, para andar sozinho e sair correndo pro colo do vovô quando ele chega cheio de presente, ou do papai quando ele chega do trabalho. As coisas começam a melhorar, já dá até pra escolher a comida. Viver parece ser algo muito divertido nesta época.
Aí vem a fase boa de verdade. Parece até mentira que seja possível existir algo tão bom! Vamos ao colégio só pra brincar e dormir depois do lanchinho. Brincamos na areia do playground do edifício ou na piscina do clube onde o papai e a mamãe nos levam no fim de semana. Os amiguinhos da escola vão à nossa casa jogar vídeo-game, vão com a gente no estádio ver os jogos do Fluminense com o papai, mas sempre acabamos saindo mais cedo porque o papai tem medo de sair com a gente na hora que todo mundo sai. Às vezes, quando o jogo é à noite, nós mesmos queremos ir embora, porque o sono é grande. Cansamo-nos demais brincando no playground e na hora do recreio. E nem deu pra tirar a sonequinha no colégio. Acabou essa fase... Agora nós temos que começar a estudar matemática, história, geografia e decorar um monte de coisa que a gente acha que nunca mais vai usar. Quando os anos passam acabamos descobrimos que mesmo aos nove anos já tínhamos razão em alguma coisa que duraria até o dia de morrer: muitas dessas coisas a gente nunca mais vai usar mesmo.
Quando tudo parecia ser impossível de ser melhorado, começa a adolescência. Caramba, que diferença! A voz começa a ficar estranha, o rosto fica cheio de espinhas e os jogos no maracanã com aquele que um dia foi o papai e hoje é o ‘velho’, dão lugar às “baladas” com os amigos. Os jogos de futebol até continuam, mas sem o velho. Com os amigos é mais legal, mais divertido, porque podemos falar à vontade sobre as paixões do colégio, sobre as meninas que a gente acha que vai amar pra sempre – ou até a próxima menina bonita aparecer – e sobre as coisas proibidas. Sou do tempo onde essas coisas proibidas eram apenas jogar bola escondido, ao invés de ir pro curso de inglês. Não havia bebidas, drogas e afins. Essa parte da vida parece ótima em um primeiro momento, mas olhando bem, quando vamos chegando à maior idade, percebemos que não viramos presidentes da república ou não viramos astros do esporte. Muito mal conseguimos ser o líder do grupo ou o primeiro a escolher o time nas peladas do fim de semana. Começamos a perceber que em poucos anos conseguimos amar pra sempre mais mulheres do que podemos contar e que a única coisa que parecia legal também não é bem assim: a liberdade. Se o ‘velho’ não liberar a grana, minha liberdade não difere muito da do canário belga que canta no quintal sobre a máquina de lavar. Pelo menos temos uma arma: a voz. Gritamos, chamamos os ‘velhos’ de caretas e dizemos que eles não nos entendem. Que nós somos a melhor geração que já surgiu, que no nosso tempo é diferente. Ai, ai... Se meu avô estivesse na sala pra ver essa cena teria um deja vu do mesmo discurso há muitos anos, mas ele em meu lugar. Bom, pelo menos estamos chegando lá. Aos dezoito já podemos ter carteira de motorista.
Aí chega a tão esperada idade e a auto-escola não é lá essa princesa tão linda que o espelho mostrava. Há muita maquiagem em seu rosto, e na realidade ela é uma moça bem mais enrugada e espinhenta do que parecia quando se tinha quinze anos. Juro que me lembrava da certeza que tinha nessa época de que aos dezoito ia fazer auto-escola e então pegar o carro do ‘coroa’ e ser feliz. O que deu errado? Simples: o ‘coroa’ não é bobo... Suou muito para levar o filho até ali com aquela educação, suou muito para comprar o carro que já tem dez anos de uso e já não é tão dirigível assim pra arriscar a vida do seu maior bem, recém entrado na maior idade.
“Vou com você”. Lembro como odiei ouvir esta frase. Meu pai (voltou a ser pai aqui. Agora ele tinha carro, tinha que agradar) não confiava em mim. Sabia que tinha que ter sido jogador de vôlei. Seria muito mais fácil. Mas, tudo bem, melhor com ele, do que não ir, não é? Pelo menos poderia dirigir um pouquinho.
Depois de algumas viagens com co-piloto, chega a hora do primeiro “vôo solo”. Lembro claramente como fiquei nervoso. Mas fui todo feliz com o ‘carango’ de mais de dez anos do meu pai, que finalmente confiou em mim. Mas aí ele trocou de carro logo depois, ou vendeu porque precisa do dinheiro, não lembro, e lá se foi a única coisa boa de se fazer dezoito anos... Já que não tem jeito mesmo, vamos pra faculdade, não é? Fazer o quê?
Não dá pra se esquecer o seu primeiro dia de aula em uma faculdade. Claro, estou falando do primeiro dos muitos “primeiro dia” de aula. Porque é claro que encontrar alguém que tenha terminado a primeira faculdade que começou é tão raro quanto achar um político no Brasil que seja digno de confiança. Está bem, exagerei, mas que é raro é. Mas, voltando ao primeiro dia, não dá para esquecer a cara das pessoas com expressão de “uau, que incrível”, menos você, é claro. Todos dizem a mesma coisa: “olha a cara das pessoas. Eu não sei o que tem demais nisso”. Mas todos, sem exceção, têm essa cara nesse dia. Ops, já ia me esquecendo, tem aqueles para os quais este não é o primeiro “primeiro dia”. Estes não têm a cara de “uau”.
Mas é incrível mesmo pensar que crescemos de verdade. “Caramba, vou me formar em algo. Quando sair daqui vou ser alguém, vou arrumar um emprego na área (montar um consultório, em alguns casos) e ganhar dinheiro”. Mas isso logo muda quando vemos que o gerente da loja de roupas onde você vai comprar uma camisa legal para sua primeira festa no grêmio estudantil é formado na profissão que você está estudando. “Ele deu azar”, você pensa, “comigo será diferente”. Mas muitas vezes acontece, alguns meses depois da formatura, de nos lembrarmos do vendedor enquanto lemos o jornal de domingo...
É nessa época que começamos a recordar do papai no maracanã nos jogos do Fluminense, nas brincadeiras na areia do playground e dos campeonatos de Super Mario Brothers com os amigos no vídeo game. Época boa. Começa a bater, esporadicamente, essa nostalgia melancólica dos tempos onde viver era só fazer aquilo de que se gostava e o que se queria. O resto era com papai e mamãe.
Mas a vida continua e os empregos começam a aparecer. A carreira, a ascensão, o progresso, o dinheiro, a independência, o casamento, as contas, os filhos, e tudo recomeça estranhamente, mas desta vez, somos os pais, e depois começará outra vez, mas seremos os avós. Também somos titios nessa época. Louco, muito louco. Ver a vida que vivemos, por outro ponto de vista, é realmente algo muito louco.
É aí que começamos a ver que nem tudo são flores no imenso jardim da vida. É aí que sentamos um dia e decidimos conversar com Deus pedindo para que Ele nos ajude com os problemas, e a resposta que recebemos, ou achamos que recebemos, não é muito bem, como dizer, esperada, óbvia. Parece que se agirmos assim, muita coisa pode dar errado. Aí não agimos, e tudo fica aparentemente certo, como todos esperavam. “Deus deve ter se enganado na resposta. Sou um orgulho pros meus pais. Passei no concurso público”. Parece que chegamos a um grand finale na nossa vida, aquele momento que encerra com chave de ouro todo esse ciclo. Mas um ciclo não se encerra, ele só volta ao começo...
Ta bom, ta bom... Também tem o outro lado. Também tem gente que mora debaixo da ponte, que não tem carro, ou nada disso que eu falei acima. Eu sei disso tudo. Mas eles vivem e vencem mesmo assim. Eles não têm nada, mas sorriem; se alimentam Deus sabe como, mas sobrevivem; Não têm cama quente, mas fazem amor; muitas vezes nem conhecem os pais, mas ainda assim não roubam e trabalham debaixo do sol, com os pés no asfalto pra viver. E vivem. Sorriem. Vibram com o gol do time de coração. E ensinam. Ensinam como devemos viver. Nenhum deles um dia achou que ia mudar o mundo, que ia ser famoso ou algo do tipo, mas viveu até o último momento acreditando que podia viver. Em um mundo tão cheio de injustiças, eles são as estatísticas que comprovam a pobreza e a fome, mas vivem. Vivem acreditando. Acreditam para viver. Vivem por acreditar. E todos os dias, quando a noite chega, eles se unem para espantar o frio e a fome e também para se proteger, para continuar vivendo. E nós, quando a noite chega, nem percebemos. Estamos ocupados demais deitados em nossas confortáveis camas planejando o dia seguinte, lamentando que o governo não nos dá atenção... Se preocupar pra quê? A vida vai chegar amanhã mesmo.
Sabe como vejo a diferença básica entre esses dois mundos? Um sabe o que é a arte de viver e o outro não. Os primeiros, os que conhecem a arte, escrevem diariamente suas peças, onde dirigem e atuam com muita garra e determinação. Escrevem o roteiro e fazem a devida adaptação para o palco da vida. Os outros apenas atuam em uma arte que a cada geração se repete e ninguém lembra mais como começou, nem onde começou. Por isso é louco olhar a vida dos filhos, dos sobrinhos e dos netos com nossos próprios olhos, porque é sempre tudo muito e tão igual, que chega um ponto onde não sabemos mais o que é lembrança e o que é o presente.
Acho que devemos fazer de nossas vidas uma coisa diferente. O mundo não quer que sejamos diferentes? Problema sério esse mesmo... Mas, mesmo quando havia a Santa (???) Inquisição (que descanse em paz), muitos homens e mulheres honrados levantaram suas vozes dizendo “eu não quero ser igual a todos”. Tudo bem, perderam as cabeças nas guilhotinas ou queimaram até a morte em fogueiras, mas tenho certeza de que hoje você só se lembra deles, e não dos filhos da mesmice de sempre...
Tomemos as rédeas de nossas vidas. Escrevamos para ela o nosso próprio roteiro, atuemos e dirijamos. Saiamos da mesmice! Saiamos do ciclo vicioso que leva ao ócio criativo. Não sejamos como os Buendìa de Garcia Marquez. Anarquia? Não, muito pelo contrário, disciplina. Não confundamos anarquia com liberdade. Liberdade exige disciplina, vigilância constante de nossos atos e muito discernimento. Anarquia é a ausência de tudo isso. É liberdade com irresponsabilidade. Há leis que são irrevogáveis, tanto na Terra quanto no Céu. E dessas últimas, queiramos ou não, não escapamos jamais.
Peçamos a Deus a inspiração para escrever o roteiro e a alegria para viver no palco da vida a nossa Vida. Se não for assim, como será? As adversidades sempre existirão, os reveses vão nos acompanhar a vida toda, mas em um bom roteiro, todo momento de tristeza é acompanhado por um toque de comédia, e vice-versa. O ator ajuda muito a fazer a platéia identificar essa variação. Sejamos, pois, assim. Atores principais na vida. Na nossa própria vida, vivendo o roteiro que nós mesmos escrevemos. Deus, o produtor da peça, vai te guiar no caminho que ele quer, mas a interpretação e o roteiro são seus. Você decide onde colocar as cenas e quais serão estas cenas. Mais do que isso, você as interpreta, você é quem vai dizer o quanto elas são tristes ou alegres. Seja um bom ator. Convença a platéia. Faça com que ela te aplauda. Lembre-se que o produtor da peça sempre te assiste enquanto você atua, e no fim, se você o convencer pela boa atuação, ele vai lhe aplaudir de pé.
Quando nascemos somos meros fantoches nas mãos dos pais, avós, tios, amigos. Passamos anos de nossas vidas sem poder viver a própria vida. Não sabemos nem mesmo a hora de fazer nossas necessidades mais básicas. Elas simplesmente vêm. O máximo que dá pra fazer é choramingar quando isso acontece, ou quando estamos com fome. Viver, que é bom, nada.
Então crescemos um pouquinho. Vamos criando vontades, gostos e manias. Começamos a correr pela casa, curiosos a cerca de tudo aquilo que já estávamos há meses, às vezes anos, contemplando e nunca tivemos a chance de chegar perto. Tocar nesses objetos é tudo que nos vem à cabeça. Os pais, avós, tios e amigos ainda estão lá, mas já podemos rejeitar um, preferir o outro. Já dá, pelo menos, para andar sozinho e sair correndo pro colo do vovô quando ele chega cheio de presente, ou do papai quando ele chega do trabalho. As coisas começam a melhorar, já dá até pra escolher a comida. Viver parece ser algo muito divertido nesta época.
Aí vem a fase boa de verdade. Parece até mentira que seja possível existir algo tão bom! Vamos ao colégio só pra brincar e dormir depois do lanchinho. Brincamos na areia do playground do edifício ou na piscina do clube onde o papai e a mamãe nos levam no fim de semana. Os amiguinhos da escola vão à nossa casa jogar vídeo-game, vão com a gente no estádio ver os jogos do Fluminense com o papai, mas sempre acabamos saindo mais cedo porque o papai tem medo de sair com a gente na hora que todo mundo sai. Às vezes, quando o jogo é à noite, nós mesmos queremos ir embora, porque o sono é grande. Cansamo-nos demais brincando no playground e na hora do recreio. E nem deu pra tirar a sonequinha no colégio. Acabou essa fase... Agora nós temos que começar a estudar matemática, história, geografia e decorar um monte de coisa que a gente acha que nunca mais vai usar. Quando os anos passam acabamos descobrimos que mesmo aos nove anos já tínhamos razão em alguma coisa que duraria até o dia de morrer: muitas dessas coisas a gente nunca mais vai usar mesmo.
Quando tudo parecia ser impossível de ser melhorado, começa a adolescência. Caramba, que diferença! A voz começa a ficar estranha, o rosto fica cheio de espinhas e os jogos no maracanã com aquele que um dia foi o papai e hoje é o ‘velho’, dão lugar às “baladas” com os amigos. Os jogos de futebol até continuam, mas sem o velho. Com os amigos é mais legal, mais divertido, porque podemos falar à vontade sobre as paixões do colégio, sobre as meninas que a gente acha que vai amar pra sempre – ou até a próxima menina bonita aparecer – e sobre as coisas proibidas. Sou do tempo onde essas coisas proibidas eram apenas jogar bola escondido, ao invés de ir pro curso de inglês. Não havia bebidas, drogas e afins. Essa parte da vida parece ótima em um primeiro momento, mas olhando bem, quando vamos chegando à maior idade, percebemos que não viramos presidentes da república ou não viramos astros do esporte. Muito mal conseguimos ser o líder do grupo ou o primeiro a escolher o time nas peladas do fim de semana. Começamos a perceber que em poucos anos conseguimos amar pra sempre mais mulheres do que podemos contar e que a única coisa que parecia legal também não é bem assim: a liberdade. Se o ‘velho’ não liberar a grana, minha liberdade não difere muito da do canário belga que canta no quintal sobre a máquina de lavar. Pelo menos temos uma arma: a voz. Gritamos, chamamos os ‘velhos’ de caretas e dizemos que eles não nos entendem. Que nós somos a melhor geração que já surgiu, que no nosso tempo é diferente. Ai, ai... Se meu avô estivesse na sala pra ver essa cena teria um deja vu do mesmo discurso há muitos anos, mas ele em meu lugar. Bom, pelo menos estamos chegando lá. Aos dezoito já podemos ter carteira de motorista.
Aí chega a tão esperada idade e a auto-escola não é lá essa princesa tão linda que o espelho mostrava. Há muita maquiagem em seu rosto, e na realidade ela é uma moça bem mais enrugada e espinhenta do que parecia quando se tinha quinze anos. Juro que me lembrava da certeza que tinha nessa época de que aos dezoito ia fazer auto-escola e então pegar o carro do ‘coroa’ e ser feliz. O que deu errado? Simples: o ‘coroa’ não é bobo... Suou muito para levar o filho até ali com aquela educação, suou muito para comprar o carro que já tem dez anos de uso e já não é tão dirigível assim pra arriscar a vida do seu maior bem, recém entrado na maior idade.
“Vou com você”. Lembro como odiei ouvir esta frase. Meu pai (voltou a ser pai aqui. Agora ele tinha carro, tinha que agradar) não confiava em mim. Sabia que tinha que ter sido jogador de vôlei. Seria muito mais fácil. Mas, tudo bem, melhor com ele, do que não ir, não é? Pelo menos poderia dirigir um pouquinho.
Depois de algumas viagens com co-piloto, chega a hora do primeiro “vôo solo”. Lembro claramente como fiquei nervoso. Mas fui todo feliz com o ‘carango’ de mais de dez anos do meu pai, que finalmente confiou em mim. Mas aí ele trocou de carro logo depois, ou vendeu porque precisa do dinheiro, não lembro, e lá se foi a única coisa boa de se fazer dezoito anos... Já que não tem jeito mesmo, vamos pra faculdade, não é? Fazer o quê?
Não dá pra se esquecer o seu primeiro dia de aula em uma faculdade. Claro, estou falando do primeiro dos muitos “primeiro dia” de aula. Porque é claro que encontrar alguém que tenha terminado a primeira faculdade que começou é tão raro quanto achar um político no Brasil que seja digno de confiança. Está bem, exagerei, mas que é raro é. Mas, voltando ao primeiro dia, não dá para esquecer a cara das pessoas com expressão de “uau, que incrível”, menos você, é claro. Todos dizem a mesma coisa: “olha a cara das pessoas. Eu não sei o que tem demais nisso”. Mas todos, sem exceção, têm essa cara nesse dia. Ops, já ia me esquecendo, tem aqueles para os quais este não é o primeiro “primeiro dia”. Estes não têm a cara de “uau”.
Mas é incrível mesmo pensar que crescemos de verdade. “Caramba, vou me formar em algo. Quando sair daqui vou ser alguém, vou arrumar um emprego na área (montar um consultório, em alguns casos) e ganhar dinheiro”. Mas isso logo muda quando vemos que o gerente da loja de roupas onde você vai comprar uma camisa legal para sua primeira festa no grêmio estudantil é formado na profissão que você está estudando. “Ele deu azar”, você pensa, “comigo será diferente”. Mas muitas vezes acontece, alguns meses depois da formatura, de nos lembrarmos do vendedor enquanto lemos o jornal de domingo...
É nessa época que começamos a recordar do papai no maracanã nos jogos do Fluminense, nas brincadeiras na areia do playground e dos campeonatos de Super Mario Brothers com os amigos no vídeo game. Época boa. Começa a bater, esporadicamente, essa nostalgia melancólica dos tempos onde viver era só fazer aquilo de que se gostava e o que se queria. O resto era com papai e mamãe.
Mas a vida continua e os empregos começam a aparecer. A carreira, a ascensão, o progresso, o dinheiro, a independência, o casamento, as contas, os filhos, e tudo recomeça estranhamente, mas desta vez, somos os pais, e depois começará outra vez, mas seremos os avós. Também somos titios nessa época. Louco, muito louco. Ver a vida que vivemos, por outro ponto de vista, é realmente algo muito louco.
É aí que começamos a ver que nem tudo são flores no imenso jardim da vida. É aí que sentamos um dia e decidimos conversar com Deus pedindo para que Ele nos ajude com os problemas, e a resposta que recebemos, ou achamos que recebemos, não é muito bem, como dizer, esperada, óbvia. Parece que se agirmos assim, muita coisa pode dar errado. Aí não agimos, e tudo fica aparentemente certo, como todos esperavam. “Deus deve ter se enganado na resposta. Sou um orgulho pros meus pais. Passei no concurso público”. Parece que chegamos a um grand finale na nossa vida, aquele momento que encerra com chave de ouro todo esse ciclo. Mas um ciclo não se encerra, ele só volta ao começo...
Ta bom, ta bom... Também tem o outro lado. Também tem gente que mora debaixo da ponte, que não tem carro, ou nada disso que eu falei acima. Eu sei disso tudo. Mas eles vivem e vencem mesmo assim. Eles não têm nada, mas sorriem; se alimentam Deus sabe como, mas sobrevivem; Não têm cama quente, mas fazem amor; muitas vezes nem conhecem os pais, mas ainda assim não roubam e trabalham debaixo do sol, com os pés no asfalto pra viver. E vivem. Sorriem. Vibram com o gol do time de coração. E ensinam. Ensinam como devemos viver. Nenhum deles um dia achou que ia mudar o mundo, que ia ser famoso ou algo do tipo, mas viveu até o último momento acreditando que podia viver. Em um mundo tão cheio de injustiças, eles são as estatísticas que comprovam a pobreza e a fome, mas vivem. Vivem acreditando. Acreditam para viver. Vivem por acreditar. E todos os dias, quando a noite chega, eles se unem para espantar o frio e a fome e também para se proteger, para continuar vivendo. E nós, quando a noite chega, nem percebemos. Estamos ocupados demais deitados em nossas confortáveis camas planejando o dia seguinte, lamentando que o governo não nos dá atenção... Se preocupar pra quê? A vida vai chegar amanhã mesmo.
Sabe como vejo a diferença básica entre esses dois mundos? Um sabe o que é a arte de viver e o outro não. Os primeiros, os que conhecem a arte, escrevem diariamente suas peças, onde dirigem e atuam com muita garra e determinação. Escrevem o roteiro e fazem a devida adaptação para o palco da vida. Os outros apenas atuam em uma arte que a cada geração se repete e ninguém lembra mais como começou, nem onde começou. Por isso é louco olhar a vida dos filhos, dos sobrinhos e dos netos com nossos próprios olhos, porque é sempre tudo muito e tão igual, que chega um ponto onde não sabemos mais o que é lembrança e o que é o presente.
Acho que devemos fazer de nossas vidas uma coisa diferente. O mundo não quer que sejamos diferentes? Problema sério esse mesmo... Mas, mesmo quando havia a Santa (???) Inquisição (que descanse em paz), muitos homens e mulheres honrados levantaram suas vozes dizendo “eu não quero ser igual a todos”. Tudo bem, perderam as cabeças nas guilhotinas ou queimaram até a morte em fogueiras, mas tenho certeza de que hoje você só se lembra deles, e não dos filhos da mesmice de sempre...
Tomemos as rédeas de nossas vidas. Escrevamos para ela o nosso próprio roteiro, atuemos e dirijamos. Saiamos da mesmice! Saiamos do ciclo vicioso que leva ao ócio criativo. Não sejamos como os Buendìa de Garcia Marquez. Anarquia? Não, muito pelo contrário, disciplina. Não confundamos anarquia com liberdade. Liberdade exige disciplina, vigilância constante de nossos atos e muito discernimento. Anarquia é a ausência de tudo isso. É liberdade com irresponsabilidade. Há leis que são irrevogáveis, tanto na Terra quanto no Céu. E dessas últimas, queiramos ou não, não escapamos jamais.
Peçamos a Deus a inspiração para escrever o roteiro e a alegria para viver no palco da vida a nossa Vida. Se não for assim, como será? As adversidades sempre existirão, os reveses vão nos acompanhar a vida toda, mas em um bom roteiro, todo momento de tristeza é acompanhado por um toque de comédia, e vice-versa. O ator ajuda muito a fazer a platéia identificar essa variação. Sejamos, pois, assim. Atores principais na vida. Na nossa própria vida, vivendo o roteiro que nós mesmos escrevemos. Deus, o produtor da peça, vai te guiar no caminho que ele quer, mas a interpretação e o roteiro são seus. Você decide onde colocar as cenas e quais serão estas cenas. Mais do que isso, você as interpreta, você é quem vai dizer o quanto elas são tristes ou alegres. Seja um bom ator. Convença a platéia. Faça com que ela te aplauda. Lembre-se que o produtor da peça sempre te assiste enquanto você atua, e no fim, se você o convencer pela boa atuação, ele vai lhe aplaudir de pé.
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