domingo, 30 de março de 2008

Julgamentos

Questão importantíssima na vida humana, o julgamento pode assumir duas caras. Podemos encará-lo como o julgamento de alguém por parte de outrem, ou como o julgamento de alguma situação. Um, necessariamente, depende do outro. Não são, porém, a mesma coisa.

Podemos encarar, primeiramente, o julgamento com uma conotação de análise. Por exemplo, antes de agir temos sempre que julgar a situação. Antes de chutar a bola o jogador de futebol de fazer um julgamento da situação. Analisar as possibilidades, verificar se há companheiros mais bem colocados, em melhores condições de fazer o gol. Analisar a que distância está da meta e se seu corpo conseguiria chutar uma bola com risco de êxito da posição em que está. Se escolher a segunda opção e chutar a bola mas não conseguir vencer o goleiro, pode ter havido um erro de julgamento de sua parte. Ou não. Pode ter julgado corretamente, mas na hora de executar o ato algum outro fator acabou impedindo o êxito, por exemplo, um pouco mais de altura na bola e esta bateu na trave ao invés de entrar, ou um desvio por parte de algum jogador do time adversário.

Há, porém, o julgamento mais popularmente conhecido e difundido, que é o julgamento de valores. Este está submetido a leis e há juízes, advogados e promotores. Há um processo, onde provas e contraprovas são apresentadas e, em uma análise conjunta de várias pessoas, onde o juiz dirige os envolvidos e tem opinião bastante decisiva, às vezes definitiva, chega-se a um veredicto, que por sua vez pode não ser o mais correto, pois pode advir de um erro de julgamento. Não deste, mas do outro do parágrafo anterior.

Em muitos momentos em nossas vidas nos deparamos com situações bastante delicadas e muitas vezes de aparente insolubilidade. E tudo se torna pior quando precisamos agir perante essa situação. Ficar indiferente ou impassível faz-se impossível, em alguns momentos. O que fazer quando isso acontece? Os eventos requerem uma ação nossa, mas há muito risco em agir. E se cometermos um erro de julgamento e nossa ação tomar um rumo oposto ao que achamos que iria inicialmente? Situações assim são extremamente delicadas e creio que quase todos nós já passamos por elas, e provavelmente ainda vamos passar outras vezes. Normalmente acontece no ambiente familiar, onde sempre se deve prezar a harmonia e a paz. Qualquer erro de julgamento de qualquer um dos envolvidos no problema pode ser fatal. Tentarei, por partes, falar sobre o que penso a respeito. Veremos que um erro de julgamento nosso pode nos levar a outro julgamento, mas dessa vez estaremos sentados no banco dos réus.

O primeiro ponto: o fato. O que está acontecendo de verdade? Nossa primeira observação em situações como essa deve ser bastante profunda. Temos que pensar sobre o fato. O que temos de indícios e/ou provas a respeito dele? É viável? Há vários momentos onde nos deparamos com coisas que não são o que parecem ser, ao passo que podemos ver coisas que não parecem ser o que são, mas são. Sendo assim, essa primeira análise, a de identificar o fato, deve ser muito bem feita e muito profunda. Os olhos devem estar bem abertos para conseguirmos ver com a maior clareza possível, apesar de isso não garantir que assim o conseguiremos.

O segundo ponto: os envolvidos. Com um fato em mãos, devemos partir para o segundo ponto, que é a análise dos envolvidos. Qual o grau de confiança de cada um dos envolvidos no assunto? O quanto conhecemos a fundo essas pessoas? Aqui entra novamente a questão a respeito do ser o que não parece e parecer o que não é, mas é. Conhecer alguém profundamente é uma tarefa de anos, onde afinidade, intimidade e confiança são fundamentais. Quão maiores forem os índices dessas três variáveis, menor o tempo que se leva para conhecer alguém a fundo. E essa relação de conhecimento é bilateral. Ambos têm que trabalhar sobre essas variáveis para que tudo seja o mais honesto e sincero possível. Não pode haver segredos de nenhum dos dois lados se deseja-se alcançar uma relação de profundo conhecimento. Situações delicadas como a que estou querendo descrever exigem sempre o conhecimento mais profundo possível das pessoas envolvidas no fato. Até mesmo porque isso pode interferir no fato em si. Vejamos um exemplo totalmente hipotético. Meu fato é: alguém está fazendo macumba (sem intenção ou conotação pejorativa, certo? Apenas usando um termo bastante usado popularmente, porém nem sempre corretamente, para fácil compreensão) para que eu largue minha esposa. É viável? Sim, claro. Já vi de tudo nesse mundo. Cheguemos, pois, aos supostos envolvidos. Neste caso acabo descobrindo que é minha mãe. Em tese, poderia parar a investigação imediatamente. Conheço o suficiente minha mãe para afirmar duas coisas. A primeira é que ela ama demais o Cristo para traí-lo desejando o mal a um filho. A segunda é que ela jamais faria macumba, dada sua fé em sua religião. Poderia interromper aí o meu julgamento ou partir em busca de novos suspeitos. Como sempre devemos esclarecer ao máximo as coisas e não confiar em ninguém cegamente, devemos continuar sempre a investigação até o fim. Porém, caso o suspeito não fosse minha mãe, mas sim um ex-namorado de minha esposa, as coisas ficariam bem mais viáveis e eu continuaria minha análise. É nesse aspecto que se torna fundamental o conhecimento dos envolvidos. E, repito, esta relação de profundo conhecimento se dá bilateralmente, quando não há qualquer segredo em qualquer direção. Onde há segredo não há confiança. E não me refiro a segredos de fatos, mas segredos de fundo moral, de personalidade. Por exemplo, há um segredo sobre um desvio de conduta ética, como pequenos furtos ou preconceito com pessoas de outra cor. As personalidades envolvidas na relação devem se conhecer por completo, mesmo que haja fatos escondidos. É por isso que esta é a parte que considero a mais difícil de todo esse julgamento, pois até que ponto podemos ou não saber se conhecemos alguém profundamente?

O terceiro ponto: as provas. Provavelmente quando chegamos aqui temos, no mínimo, um forte indício. E ao contrário do que alguns pensam, há, sim, julgamentos por indícios, sem provas, pois é pra isso que serve todo esse processo de análise: pra ver se indícios se tornam, na verdade, em provas. Assim como o segundo ponto depende do primeiro, este aqui depende do anterior. Indícios podem ganhar ou perder força dependendo das pessoas envolvidas. Voltando à situação hipotética levantada acima, uma foto de minha mãe ou do suposto ex-namorado fazendo a tal macumba iria mudar muita coisa a respeito do que eu poderia estar pensando, mas não seria prova definitiva, visto que poderia ser uma montagem. Já algo menos concreto e contundente do que uma foto – uma testemunha, por exemplo – nos traria a outro contexto. Testemunhas são seres humanos e, como tal, são imperfeitos. Além disso, sua índole e sua moral variam muito entre uma e outra pessoa. Por isso, teríamos que ter também um grau de conhecimento da testemunha, o que nem sempre é possível. Ou seja, se não há provas ou indícios de nada, o mais prudente é suspender a análise e ir à busca deles. É melhor do que acusar alguém injustamente. Se há ao menos um indício, sigamos com o julgamento.

O quarto e último ponto: a ação. Este é, sem dúvidas, o momento mais delicado de todos. Não o mais difícil, mas o mais delicado. Dependendo de como agirmos, tudo que foi analisado pode ir por água abaixo. Mesmo se tivermos razão, provas, etc., se tomarmos a atitude errada podemos pôr tudo a perder. Além disso, nossa atitude posso ser interpretada errada. É por isso, portanto, que vou dispensar um certo tempo neste tópico.

Acontece ciclicamente em casos como esse a necessidade de julgamento de valores, de idéias, de ideais, de moral, etc. Não o julgamento acusativo, mas aquele que te faz entender a situação, as ações das pessoas que estão envolvidas. Isso se dá em todos os lados do problema. Quando partimos para a ação, passamos a abrir o espaço para que os atingidos por ela julguem tudo o que estamos fazendo. Por isso devemos ter o maior cuidado ao decidir o que fazer. Devemos analisar muito bem o fato, quem está envolvido e o quanto o conhecemos, além do número e da confiabilidade das provas que temos. Só assim poderemos agir. Por experiência própria, posso dizer que nesta hora o conhecimento dos envolvidos se torna bastante importante. Decisivo, eu diria. Voltemos mais uma vez à hipotética macumba. Suponhamos que minha mãe fosse a envolvida e que eu decidisse ir conversar com ela a respeito. Existem duas alternativas. A primeira: ela confirmar o fato, o que me causaria completa decepção, visto que acabaria de constatar que não conheço nem mesmo minha mãe, que é capaz de desejar o mal do próprio filho. A segunda: ela negar. Se isto acontecesse, certamente, pelo que a conheço, ela me perdoaria por ter levado a ela tal desconfiança, mas dadas as minhas provas e/ou indícios, ela entenderia. Mas, certamente, me ajudaria a esclarecer as coisas. Vejamos o caso agora com o envolvido sendo o ex-namorado de minha esposa e minha decisão fosse também ir falar com ele. Ele poderia confirmar, o que me levaria a um novo julgamento, mas dessa vez sobre o que fazer, ou poderia negar. Se ele negasse, eu cairia em um novo problema: não o conhecer o suficiente para saber se ele está falando a verdade. Sim, isso tudo é muito complicado.

Obviamente cada caso é um caso e cada um tem seus critérios de julgamento. O que quero mostrar é que antes de agirmos em uma situação delicada, que ameaça a paz e a harmonia, mesmo que tenhamos boa intenção, podemos não ser compreendidos. Imaginemos que no hipotético caso que mencionei acima, minha mãe negasse, que isto fosse verdade, mas que ela, ao invés de agir como previ e escrevi acima, se magoasse comigo de tal forma, mesmo com todas as minhas provas/indícios, que parasse de falar comigo, ou que chorasse por dias dada a tristeza e/ou decepção pela minha desconfiança, enfim, qualquer coisa com conotação negativa a respeito do que fiz.

Muitas vezes queremos apenas zelar pelas pessoas que amamos, queremos ter a certeza de que está tudo bem, queremos alertar, prevenir, ajudar, mas ainda assim podemos ser mal compreendidos, mesmo tendo nossas muitas razões. Aí entra em cena outro fator: o estado de espírito, de paz espiritual que a pessoa envolvida se encontra.

Além dos quatro pontos que coloquei acima, no segundo deles, os envolvidos, há a questão muitíssimo pessoal do estado de espírito. Tanto nós quanto os demais envolvidos na situação podemos estar passando por problemas espirituais, que certamente interferirão negativamente no julgamento de todo o caso. A influência negativa em nossa mente – que pode variar muito de intensidade, desde a mais sutil até a mais agressiva – faz com que não consigamos ver as coisas exatamente como elas são. O mais grave disso é que, em quase todos os casos onde isto acontece, o influenciado não se sabe e/ou percebe assim. Por isso a constante vigilância de nossos pensamentos e atos, mantendo sempre ideais elevados, que estejam de acordo com os preceitos morais mais nobres, seja em que área da vida seja, é o recomendado para o nosso dia-a-dia. Só assim poderemos diminuir muito, praticamente neutralizar, as chances dessa influência nociva, à qual todos estamos sujeitos. Essa vigilância deve ser constante, e deve durar o dia todo, todos os dias.

Assumamos que, ainda no exemplo acima, a reação de minha mãe tenha sido a de negar e ficar magoada comigo. Poderia ela estar passando por alguma influência que não a permita ver que eu não quis magoá-la, ofendê-la e apenas esclarecer um assunto que chegou até mim? Que o fato de ela reagir sem a compreensão esperada por um amor materno possa ser resultado de uma influência negativa que quer prejudicá-la ou a mim? Sim, pode. E é bem provável que seja. O que devemos fazer nessas horas é não forçar o convencimento. Se ela estiver sob influência não nos escutará. Cabe a nós a demonstração pelo exemplo, pela oração e pela compreensão, para que isso possa, naturalmente, com o passar do sagrado tempo, demonstrar a verdade. Nunca devemos desistir. Lembremo-nos de que a paz e o bem comum devem sempre prevalecer, e que nada nesta vida acontece por acaso. Tudo tem uma causa que Deus conhece. Tudo pelo que passamos nos deve servir de aprendizado para o enobrecimento interior.

São complicadas, muito mais do que parecem, as relações humanas sem afetar o bem comum. O exemplo acima é apenas uma hipótese, mas quantos de nós já não passamos por situações muito delicadas com pessoas muito queridas onde houve um aumento do problema por um erro de julgamento de alguma das partes envolvidas? Isso é muitíssimo comum. Cabe a nós manter o espírito em melhor estado possível para quando estes momentos chegarem estarmos mais aptos a pensar em todas essas coisas que mencionei, além, é claro, das particularidades de cada caso. A análise deve ser cuidadosa. Se a reação for inesperada e negativa, cabe a nós a paciência e tolerância mediante o problema, sempre rezando e exemplificando as nossas idéias na nossa vida, nas nossas atitudes, para poder demonstrar pouco a pouco aos envolvidos que tínhamos razão. É, sim, muito difícil. É, sim, muito delicado. Mas é aí que está o mérito: no êxito sobre as provas difíceis que a vida nos impõe.

Nesta parte somos automaticamente levados ao outro ponto deste texto, o outro julgamento. Aquele onde há juízes, advogados e réus. É muito comum que as pessoas que não entendem a nossa atitude, a nossa opinião, pensem que as estamos julgando, mas desta vez o julgamento que leva à condenação. A maior parte do problema que nasce com a má interpretação de nossa atitude reside aí. A confusão toda nasce na idéia de que, uma vez que estamos apontando um problema, estamos condenando a pessoa por ele. Vêem-nos como promotores sedentos pela vitória. Isso é comum. É muito natural que isso aconteça, principalmente se o indivíduo estiver vivendo em uma psicosfera negativa, má influenciada em seu ambiente espiritual. Essas má influências dificultarão a compreensão do fato, dos argumentos apresentados e das atitudes tomadas por nós. A visão espiritual fica turva, dadas as sombras que a envolvem. Como já disse: é fundamental que tentemos ao máximo agir sempre de acordo com a mais correta moral. É óbvio que dadas as nossas fraquezas isso é quase impossível, mas apenas por sempre pensarmos assim, por sempre vigiarmos nossos pensamentos e ações, o caminho já está sendo percorrido, já é um grande passo. Assim a nossa sintonia com as coisas boas, com os ambientes de luz fica maior e a força para seguir em frente também aumenta, afastando as sombras. Nesses casos temos que ter a paciência, manter a oração intercessora e a demonstração pelos exemplos, principalmente. Cabe a nós evitar que o problema se agrave e compreender que somente o tempo pode dar as condições para que a luz aja e renove o espírito da pessoa. Tentar demonstrar que não condena o que a pessoa fez ou faz, apesar de discordar dela, raramente resolve nesses casos. Só a experiência do tempo e a oração com fé podem agir. É importante deixar claro que devemos também fazer uma auto-análise para identificar se realmente não estamos agindo com condenação. Se assim o estivermos, cabe a nós mudar esta postura, sempre compreendendo e respeitando as escolhas do próximo.

Um fato muito comum de acontecer em situações dessa natureza é a citação por parte da pessoa do ”não julgueis para não serdes julgados” e do ”retira primeiro a trave do teu olho antes de enxergar o cisco no olho do próximo” instituídos por Jesus. Gostaria de discorrer um pouco sobre essas frases.

Creio que quando Jesus disse para não julgarmos, ele se referia ao que mencionei um pouco acima. Não é porque você não concorda com uma opinião ou atitude de alguém que você deva condená-la por isso, excluí-la de seu meio ou de sua vida. Muito pelo contrário. Cabe a você perceber, sim, o erro – até para não cometê-lo também –, alertar a pessoa a quem você tem afeto, e continuar sua relação com ela, independente do que aconteça. Óbvio que não estou falando aqui em situações de adultério, por exemplo, você precise continuar com seu companheiro se ele ou ela tem outra pessoa. Em casos assim, é razoável que procuremos o que é melhor pra nós. A beleza está, portanto, na arte do perdão, que permitirá que continuemos a relação com essa pessoa, mas de uma outra maneira, como colega ou amigo. A questão em análise aqui é diferente. Não é o perdão das ofensas, mas sim a capacidade de vivermos em sociedade harmonicamente respeitando as diferenças, evitando acusações e condenações, pois devemos ter sempre em mente que somos também passíveis de estar no “banco dos réus” a qualquer momento.

Voltando à frase de Jesus, ele próprio em várias ocasiões percebeu e apontou vários erros (que são expostos como pecados no Evangelho) e atuou sobre eles. Erros, inclusive, de cunho político e religioso da época, não apenas os erros individuais. Porém, mesmo intercedendo, ele nunca condenou ninguém. Sempre perdoou e trouxe, ou tentou trazer, essas pessoas para junto de si. É assim que devemos agir. O fato de percebermos um problema, uma idéia que não condiz com o que pensamos ser certo, não nos dá o direito de condenar ninguém. Muito pelo contrário.

É neste ponto que entra a outra frase de Jesus, a de olharmos primeiro pra trave em nosso olho antes do cisco no olho do outro. Que direito temos de condenar os erros de qualquer pessoa, quando estamos tão cheios de erros também dentro de nós? Reparem que nos parágrafos acima em todo o tempo eu mencionava a nossa própria avaliação, a vigilância de nossa conduta e de nossos pensamentos, sempre visando nos corrigir. Isto é tirar a trave de nossos olhos. Acusar é fácil, se corrigir é difícil. Temos que nos corrigir constantemente para estarmos sempre, ou o maior tempo possível, dentro do caminho do bem. Isso nos dá o direito de tentar ajudar nossos semelhantes mostrando-lhes o que está errado e pode ser mudado. Isso não é acusar. É ajudar, é educar. E, se temos a nossa própria conduta como exemplo, nosso apontamento ganha força. O exemplo é a chave de tudo.

Portanto, cuidemo-nos todos com os erros de julgamento. Somos passados a essa prova diariamente, a todo o tempo. A correta interpretação das atitudes e palavras de outrem é muito difícil e exige muito cuidado e análise de diversos fatores. Tentemos fazer como Jesus, que sempre deu o exemplo, sempre agiu sobre as coisas do espírito, corrigindo e educando, mas nunca condenando. É claro que podem pensar que os estamos condenando, isto é algo que acontece, principalmente quando há má influência, mas nunca podemos deixar que esse pensamento seja realmente verdade. Com certeza, um dia seremos nós sentados no banco dos réus.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Seguir ou não seguir?

Hoje acordei sem muita coisa para escrever. O ânimo estava meio baixo. Momento de fraqueza diante dos problemas que se apresentam cotidianamente. Passei boa parte da noite pensando, me questionando se eu não estava sendo meio exagerado em algumas atitudes, se realmente estou indo pelo caminho certo. Procurei auxílio na fonte máxima de luz. Não, não no sol. No Evangelho, sol do Sol. O capítulo X do livro de Mateus foi o que veio muito bem a calhar e, como não poderia deixar de ser, explicou muita coisa. Fala sobre a escolha e a missão dos apóstolos. Um trecho em especial me chamou atenção, os versículos 34 a 36. Transcrevo-os.

“Não julgueis que eu tenha vindo trazer paz à Terra. Não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra. E os inimigos do homem serão os de sua própria casa.”

Como o trecho é polêmico, mas muito profético, fui procurar o que significava. Parti em busca de exemplos. Achei algumas coisas bastante interessantes na história do cristianismo. Vejamos algumas.

Bárbara era filha única de um nobre comerciante turco. Em determinada ocasião seu pai precisou viajar e, por ela ser ainda muito jovem, este a trancou em uma torre para que ela não tivesse contato com a sociedade. Ele receava que ela fosse corrompida, dada a corrupção vigente na época. Durante esse tempo ela pôde estudar e acabou tornando-se cristã. Ao voltar de viagem e saber da notícia da conversão da filha, seu pai tentou convencê-la a abdicar de sua fé e crer nos deuses do Império Romano. Diante de sua negação, seu pai a denunciou ao prefeito da cidade, que a torturou tentando a conversão. Como a jovem insistia em sua fé, foi condenada à morte, sentença executada pelo próprio pai.

Tomás de Aquino, um dos mais respeitáveis e inteligentes religiosos da igreja católica de todos os tempos, foi criado por seus pais, nobres da região de Nápoles, para que se tornasse abade do mosteiro de Monte Cassino, onde foi internado pela família aos cinco anos de idade. Aos dezenove decidiu se juntar aos dominicanos, ordem mendicante criada por Domingos de Gusmão. Diante da negação da família, foi obrigado a fugir de casa para seguir sua vida em caminho do Cristo.

Francisco era filho de um rico comerciante da região da Úmbria, na Itália. Seu pai sonhava em torná-lo seu herdeiro nas rédeas do próspero negócio de tecidos que possuía. Ainda jovem foi à guerra, onde ficou preso por um ano. Voltou do cárcere muito doente, e durante sua recuperação foi se convertendo lentamente. Depois de curado, Francisco decidiu reformar a igreja de São Damião com o dinheiro do pai, que o acusou de furto. Diante do bispo e da família, Francisco pediu a benção à igreja, abriu mão de tudo que tinha e lhe fora dado pelo pai, inclusive as vestes que carregava no corpo, e saiu para cumprir sua missão religiosa.

Clara era uma belíssima jovem, filha de nobres também da região da Úmbria. Foi muito influenciada na vida religiosa e até mesmo na escolha deste caminho pelos exemplos que presenciava de Francisco de Assis. Contrariando a decisão da família de lhe casar com um jovem rico, Clara foi obrigada a abandonar tudo e seguir Francisco, fundando a Ordem das Clarissas, o que pode-se considerar a vertente feminina da Ordem Franciscana. Viveu em extrema pobreza até o último dia de sua vida.

Estes são apenas alguns dos muitos exemplos que temos ao longo da história narrando problemas e divergências, familiares ou não, por causa do Cristo. Ele os previu corretamente, como tudo aquilo que fez. Nenhuma de suas palavras ficou sem exemplificação. Nenhuma. A pergunta é apenas esta: quem estava com a razão: As famílias, que queriam viver os gozos das facilidades da vida mundana, ou os futuros santos, que abriram mão de tudo que fosse inerente ao mundo físico para cultivar as virtudes do espírito? Vale à pena conhecer mais profundamente a história desses homens e mulheres antes de responder.

Nosso papel na Terra é único. Cada um traz consigo um conjunto de responsabilidades e tarefas a cumprir. Não podemos exigir de todos que vivam em extrema pobreza. Eu mesmo jamais conseguiria. Seria extrema hipocrisia de minha parte dizer o contrário. E, sinceramente, creio que no mundo de hoje isso seja quase impossível. O planeta está cada vez mais envolto em um universo tecnológico e a vida cotidiana exige, em qualquer país, do mais pobre ao mais rico, muito esforço, trabalho e suor. Não que não fosse assim antes, mas a competição quase antropófaga do mundo atual é castradora em diversos sentidos. Além disso, nas épocas narradas acima os alicerces das religiões e da moral humana ainda estavam sendo construídos. Hoje já há uma gama imensa de exemplos em todas as crenças, culturas e povos, cristãos ou nãos, para que neles o homem se baseie. É fato que há ainda muita má interpretação humana da maioria desses exemplos, mas isso é outro problema, que não vou abordar aqui.

Nosso papel nesse mundo é viver a vida que deve ser vivida aqui, sem achar, porém, que tudo se encerra e se resume aqui. Ao longo dos anos temos que viver sempre de acordo com os preceitos e leis de Deus, mesmo que isso vá contra amigos ou familiares. Nossas escolhas e atitudes devem ser sempre tomadas de acordo com os bons princípios, com os exemplos de todos esses que passaram pelo mundo como base. A moral do ser humano não tem religião. Os bons exemplos não são de propriedade de um ou outro credo. Preocuparia-me demais ouvir um cristão dizer que Gandhi não é um exemplo de moral, amor, caridade e caráter, ou um hindu dizer o mesmo do Cristo. Até porque Gandhi O respeitava e admirava. Vejam o que ele diz a Seu respeito:

“Cristo é a maior fonte de força espiritual que o homem tenha conhecido. Ele é o exemplo mais nobre de um que deseja dar tudo sem pedir nada. Cristo não pertence somente ao Cristianismo, mas ao mundo inteiro”

Enfim, os exemplos estão aí. Adaptemo-los às nossas vidas, ao nosso tempo, ao nosso dia-a-dia, às nossas possibilidades (isso é muitíssimo importante) e sigamo-los sempre, à medida do possível. Temos, cada um, os nossos limites, que devem ser respeitados. O importante é que sempre tentemos chegar a esse limite, dar sempre o nosso melhor, nos esforçamos ao máximo para que cheguemos lá um dia.

Acabo de perceber uma coisa: como deve ser feita a vontade de Deus e não a minha, acabei escrevendo um bocado...

terça-feira, 11 de março de 2008

Um homem de poucos amigos...

Hoje o texto é curto, e não é de minha autoria. Mas como tem tudo a ver com o momento que passo em minha vida, decidi postá-lo. Acredito que vai acalmar uns e esclarecer outros. Fiquem com a bela passagem...

Conta Fülöp-Milller que, já estando no final da vida, com o corpo cansado pelas muitas provações que sofrera, Santa Teresa D'Ávila havia partido com uma caravana para fundar um novo convento em Burgos. As estradas estavam inundadas pelas chuvas e era necessário atravessar o Rio Arlazón antes de chegar-se ao destino. Tendo sido destruída a ponte, pela força das águas, segundo relata o autor, Teresa atirou-se bravamente à travessia, conclamando suas companheiras com alegria e determinação:

- Venha o que vier. Se desmaiardes no caminho, se morrerdes na estrada, se o mundo for destruído, tudo isto está bem se atingirdes o vosso alvo.

Desse modo, conclamando todas a segui-la, avançou corajosamente pela água gelada. Foi, então, que uma onda a fez escorregar para a parte mais funda do rio. Na luta desesperadora para vencer as águas e sobreviver, vislumbrou a presença excelsa de Jesus. O Mestre Divino ofereceu-lhe o apoio de seus braços fortes, agarrando-a pela mão. Teresa se salvou. Profundamente agradecida pelo amparo celeste, exclamou:

- Ah, Senhor! Graças à sua misericórdia, estou viva! Estou a salvo do perigo!

E Jesus, compassivo, retrucou-lhe:

- Você está vendo, Teresa? É assim, em meio aos perigos da estrada, que eu trato os meus discípulos e os meus amigos queridos!

Teresa D'Ávila ouviu muito atentamente o Senhor. Logo após meditar um pouco, redarguiu ao Mestre, revelando lúcido senso de humor:

– Oh, Senhor, compreendo! É por isso que os tendes tão poucos.

sábado, 8 de março de 2008

A pedra fundamental

Todos os dias eu me pergunto onde está a minha certeza das coisas? Onde está a pedra fundamental onde baseio minhas crenças? É bem razoável que me pergunte isso, certo? Afinal, posso estar me baseando em coisas erradas, e se assim estiver, devo mudar. Dizer que me baseio no amor é muito relativo. O amor é um sentimento que, em tese, é universal, mas pode não ser. Depende da cultura de cada um. Há ateus, que não crêem em Deus, que para a grande maioria é a fonte do amor, mas ainda assim dizem “eu te amo” para seus maridos e esposas. Há os islâmicos (e não o islamismo), que juram que as mortes que causam são em nome do amor a Alá, embora possa dizer que li o Corão e, de acordo com minha interpretação, não há nele uma linha sobre isso. Há os cristãos (e não o cristianismo), que dizem que Cristo é o maior dos exemplos de amor, mas organizaram as Cruzadas em Seu nome. Enfim, há de tudo. Todos os tipos de crenças, religiões, culturas, etc. Em várias delas há os contrapontos a respeito do amor. Para quem crê que Deus é amor, como acreditar quando um ateu lhe diz “eu te amo”? Estranho, não? Paradoxal, eu diria, mas talvez seja verdade. Por que não seria? Na visão dele pode ser. O problema é: de onde vem sua visão de amor? O que é o amor para ele?

Eu, particularmente, acho que o amor é universal, sim. Sua compreensão dele é que não é. E é exatamente por isso que acho que, por mais nobre que seja, este sentimento realmente não deve ser a única base para toda a minha conduta, a minha crença. Explico.

Há quem defenda que no amor vale tudo. Que não há leis no amor. Para mim isso é muito, muito estranho. Recuso-me a acreditar que Deus, que para mim é a fonte do amor, ache natural, por exemplo, um marido espancar a esposa e essa não prestar queixa, pois a justificativa é que ela ama o seu companheiro. Recuso-me que Deus ache normal um filho espancar a mãe e esta não fazer nada a respeito. Recuso-me a acreditar que Deus ache normal que um casal que diz que se ama participa de orgias. Enfim, há muitas coisas que alguns dizem ser feitas em nome do amor, mas que minha percepção de Deus não me deixa acreditar como o sendo realmente. Diversos homens passaram pela Terra ensinando o que é o amor. Eu escolhi, dentre eles, o Cristo. Este homem deixou um mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Não foi só amar a Deus sobre todas as coisas ou só ao próximo como a si mesmo. Foi os dois. Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Sendo assim, Deus vem em primeiro lugar. Ele vem sobre todas as coisas. E por todas podemos incluir nossa própria individualidade. Ora, se devemos amar a Deus acima de tudo, praticar atitudes que sejam contra o que Ele é em essência, ou seja, amor, é não amá-Lo. É, no mínimo, desrespeitá-Lo. Creio eu, em minha pequena compreensão da vida, que há determinadas condutas que, mesmo justificadas com o amor, não condizem com ele. As que citei acima são alguns exemplos. Por isso disse que creio que o amor seja universal. O mesmo já não posso dizer a respeito da compreensão que se tem dele. Isso varia. Sempre, é claro, deturpada pela nossa condição de humanos imperfeitos. É este o motivo de eu não pautar minha conduta apenas pelo amor, pois assim eu poderia estar caindo em erro, poderia dar má interpretação a algo tão sublime e puro. Não me atrevo a conceber uma nova idéia de amor. Pauto, portanto, minha conduta na do homem que, para mim, foi o maior exemplo na Terra: Jesus Cristo. Certamente não me comparo a Ele, mas tenho-O como meu modelo, como aquilo que eu gostaria de ser. Vivo, portanto, tentando ser como Ele. Não consigo, certamente. E, pelo menos sem renascer inúmeras vezes de água e Espírito, como Ele mesmo disse, não conseguirei. Mas tento. É pra Ele que olho. É pra Ele que direciono meus pensamentos. É pra Ele que direciono minhas ações.

Jesus Cristo nos ensinou o amor puro, mas não nos isentou das responsabilidades. Ditou inúmeras normas, apresentou inúmeros exemplos de coisas derivadas do amor. Apresentou restrições àqueles que queiram segui-Lo e ascender ao Reino dos Céus, como Ele chamava. Falou-nos de caridade, de respeito, de oração, de vigilância de atos e pensamentos e de brandura do coração. Lamentou os que faziam a guerra e os que não O davam ouvidos. Calou-se diante do tribunal que o acusava e se fez servo dos que O seguiam, mostrando-lhes a humildade. Mesmo assim, sempre afirmou com certeza e propriedade que Ele era o caminho, a verdade e a vida. Como não lembrar do sermão da montanha e das bem aventuranças? Como esquecer seu pranto no Monte das Oliveiras, aflito pelos momentos do porvir? Ainda na cruz perdoava os inimigos que lá O colocaram. Jesus foi, sim, um imenso exemplo de amor. É respeitado por todos os povos por isso, mesmo aqueles que não O têm como o messias. Mas não foi só isso. Foi um grande educador. Um homem que veio para disciplinar a todos. Repreendia quando necessário. Chamava de hipócritas aqueles que como tais se comportavam. Ordenou que Pedro baixasse a espada e o repreendeu duramente quando este cortou a orelha do soldado que o prendera. Era amoroso, a personificação do amor, mas era severo e disciplinado. Deus o fizera assim. Pensar o contrário era julgar que Deus deixou a critério dos homens o juízo do que é certo e errado baseado apenas em suas próprias interpretações do amor. Fazer isso é negar veementemente que Jesus é, portanto, o messias prometido. É achar que Deus não tem Suas próprias leis. Que nós somos os responsáveis por determiná-las em nossas vidas a nosso bel prazer. Não creio em um Deus perfeito assim.

Negar o Cristo não é um problema para os povos não cristãos, que têm, por sua vez, seus representantes. O problema é quando alguém se diz cristão mas não age como tal, negando que Cristo seja o exemplo máximo de conduta e amor. Todas as religiões, cristãs ou não, possuem seus representantes, seus ícones máximos. Além deles há os que vieram depois para ratificar os exemplos. Em todos os povos da humanidade já nasceram grandes homens e mulheres que sempre ganharam notoriedade por suas condutas e palavras. Santos ou não, vários desses seres humanos marcaram e marcarão para sempre nossas vidas e a história do mundo. Gandhi, Luther King, Mandela, Irmã Dulce, Francisco Cândido Xavier, os seguidos Dalai Lama... Enfim, vários foram os exemplos de amor, mas não apenas de amor, que passaram por aqui. Todos eles, cada um em sua respectiva crença, em seu respectivo meio cultural, social e religioso, seguiam e ensinavam suas regras de conduta aos que passavam por seus caminhos. Nenhum deles interpretava o amor através de sua própria cabeça, de seu próprio raciocínio. Todos tinham uma base, cristã ou não, que seguiam com fervor. O respeito ao ser humano é o primeiro ponto que todos tinham em comum. Não consigo ver qualquer um deles desrespeitando os pais, abusando de seus instintos sexuais, remoendo rancores e ódio sem perdão, falando inverdades a respeito de alguém, principalmente daqueles com os quais mantinham relação próxima. Não os vi fazendo isso e não há registro na história de que tenham feito.

Por isso, meus caros, não tomo apenas o amor como base, pois minha imperfeição humana poderia, e certamente o faria, deturpar o mais sublime dos sentimentos. Aquele que Deus escolheu como sendo seu sinônimo. Prefiro, portanto, seguir os exemplos que já foram dados ao longo da história da humanidade. Os fatos estão aí, basta querer enxergar e, principalmente, seguir. Não sou ou tenho pretensão de ser algum desses homens ou mulheres. Não quero ditar aos outros o que fazer. Exponho a vocês aquilo que julgo poder ajudá-los a achar o caminho, como eu creio que tenha achado. Isso obviamente não quer dizer que este caminho não é cheio de dificuldades que nossa imperfeição vai impedir ou dificultar que sejam transpostos. Não tem problema. Deus ajuda. Ele tudo vê. Ele é o único que nos conhece no íntimo e sabe nossas verdadeiras intenções. É somente a Ele que nossa consciência presta contas. Mas ela presta contas. E não basta que amemos ao amigo, isso até os fariseus fazem, dizia Jesus. Temos que amar os inimigos para ter mérito. É tudo sempre pelo caminho mais difícil para chegar a Deus. Por isso não me atrevo dizer que me basta o amor. Não me basta. Ele me sustenta, é diferente. Ele me move para chegar até onde Deus quer que eu chegue, neste ou em outros tempos. O amor é o mais sublimes dos dons, nos ensinou Paulo de Tarso. Mas este mesmo Paulo provou e ensinou que a disciplina e o cumprimento das tarefas e responsabilidades é fundamental. O amor nos leva a cumpri-las, não o contrário.

Creio que no momento não tenha na Terra alguém encarnado que seja digno de se comparar a esses homens e mulheres maravilhosos que por aqui passaram para nos ensinar. Isso não é importante. O que realmente importa é que tenhamos a consciência de que eles acharam o caminho, e por imensa caridade divina, nos mostraram qual é e, principalmente, como segui-lo. Eu escolhi ir com eles. E você, por onde vai?