sábado, 23 de fevereiro de 2008

O homem das cavernas

Era mais um lindo início de tarde ensolarado naquela pequena cidade. A movimentação era grande, pois estava na hora da troca de turno na única escola que havia por lá. Os alunos da manhã deixavam o ambiente, ao passo que os aprendizes do turno da tarde se aproximavam e aguardavam o momento correto para entrarem para mais uma jornada de aprendizado.

Em um canto perto do portão principal já se havia formado um pequeno grupo de moças e rapazes que conversavam animadamente a respeito das coisas do cotidiano: namoro, amizade, música, enfim, tudo aquilo que jovens saudáveis desta faixa de idade costumam conversar.

Em dado instante um dos rapazes do grupo, de nome Natanael, sentiu a falta de um amigo que costumava participar das conversas e perguntou aos demais, preocupado:

- Por acaso algum de vocês sabe do Pedro? Ele não passou lá em casa para virmos juntos, como fazemos todos os dias, nem chegou até agora. Será que ele está doente?

Diante da resposta negativa de todos, Natanael guardou sua preocupação, para evitar quebrar o clima divertido e amistoso que se formara, e continuou a conversação com os demais colegas.

Do outro lado do portão, dentro do colégio, mais especificamente próximo à sala dos professores, Pedro aguardava ansioso pelo fim da aula do turno da manhã, pois precisava conversar com o professor Demétrius. Estava muito preocupado e queria ouvir alguns conselhos daquele que ele julgava ser o mais bondoso homem existente na cidade, quiçá no mundo.

Não tardou muito para que o aguardado professor chegasse. Ao ver o jovem ali tão cedo e com a expressão um pouco alterada, o gentil ancião perguntou alegremente:

- Pedro, meu filho, o que o traz aqui? Por que você não está lá fora com seus amigos, paquerando as belas moças da sua idade?
- Ah, professor, preciso muito conversar com o senhor. O senhor teria alguns minutos para mim?

Demétrius, solícito, respondeu afirmativamente, convidando-o a entrar com ele na pequena sala dedicada ao descanso dos professores. O anfitrião providenciou uma cadeira e um copo de água para cada um e perguntou ao rapaz:

- Então, meu filho, o que lhe perturba e o traz ao convívio desse homem velho, privando seus amigos de sua agradável companhia?

O jovem mal esperou seu professor acabar a pergunta para começar a narrar, ansioso, aquilo que o afligia.

- Sabe o que é, professor? Eu ando muito triste... Eu olho em volta e vejo que não tenho lá muitos motivos pra ficar assim, mas eu não consigo mudar. Eu tenho os meus amigos que gostam de mim, faço um razoável sucesso com as meninas, não passo fome, tenho pais maravilhosos, mas ando muito triste, sentindo falta de alguma coisa que eu não sei nem o que é. Me sinto mal por isso, pois sei que não deveria ser tão ingrato com a vida... Como vejo que o senhor nunca fica triste, está sempre rindo e sempre brincando com todos nós, vim lhe perguntar qual é o segredo de tamanho bom humor...

Demétrius sorriu. Aquele era mais um jovem que passava pelo velho problema da busca incessante da felicidade. Ele mesmo havia passado por isso quando era daquela idade. Conhecia cada uma das rugas causada por essa insaciável sede intrínseca ao ser humano no ainda jovem rosto do rapaz à sua frente. Com toda a brandura que lhe era inerente, o professor tentou melhorar o ânimo de Pedro.

- Meu bom rapaz, acalme-se. Pergunto-lhe uma coisa: você conhece alguém nesse mundo que tenha tudo aquilo que deseja?
- Não.
- E quantas dessas pessoas que você conhece são felizes.
- Muitas delas. Na verdade, quase todas.
- E por que você não é?
- Não sei, por isso me sinto mal, me sinto culpado e ingrato. Injusto com aqueles que têm menos do que eu. Existe tanta gente no mundo sem família, sem amigos, sem casa pra morar...
- Exatamente, meu filho. Veja este velho homem à sua frente... Se formos levar em conta os bens que possuímos, o que tenho eu se comparado a você? Não tenho mais pais, não tenho mais minha querida esposa que já se foi há alguns anos, não tenho filhos, irmãos ou qualquer pessoa pra cuidar de mim. Moro sozinho e vivo apenas do meu trabalho como professor nesta escola. Apesar disso tudo, você por um acaso já me viu triste andando por aí?
- Não, senhor. É exatamente por isso que vim lhe procurar, “seu” Demétrius... Acho que só o senhor pode me ajudar...

O velho professor, abrindo um sorriso largo, pousou a mão sobre o ombro direito do jovem e disse:

- Deixe-me contar-lhe uma história. Há muitos e muitos anos o mundo era habitado apenas por homens bastante primitivos, que chamamos vulgarmente de “homens das cavernas”, certo?
- Sim.
- Existe uma pequena estória em minha família que é passada de geração em geração, e que foi passada até mim por minha doce, saudosa e querida avó. Essa estória conta um caso interessante que teria acontecido com um homem das cavernas...

“O homem vivia sozinho em sua gruta. Não possuía vizinhos, amigos ou nada que julgasse muito interessante à sua volta. Um belo dia, ele decidiu que nada daquilo valia à pena. Havia se cansado de tanta solidão. Vivera anos daquela maneira. Era chegada a hora de mudar, de ser feliz. Sempre que subia no cume dos morros ele via vales imensos, campos floridos e uma promessa de vida muito mais interessante do que aquela que levava. Estava farto de morar em sua caverna escura, de comer sempre as mesmas frutas, as mesmas espécies de animais e ter apenas os pássaros como companhia.”

“Em uma bela manhã de sol, o homem decidiu juntar suas armas, suas vestes, um pouco de comida e sair em busca de uma morada do outro lado da montanha, onde certamente encontraria sociedade, melhor alimentação e habitação. Partiu, então, com o coração repleto de esperanças, em busca de uma nova vida, de mais alegria e felicidade.”

“Alguns dias de viagem se passaram e o esperançoso homem chegou ao seu destino. Um lindo campo, cheio de flores, frutas e animais que ele não conhecia. Uma infinidade de maravilhas escondidas de seus olhos até aquele momento era ali revelada. Aquele homem solitário nunca havia se sentido tão feliz em toda a sua vida e tinha a total certeza de que tudo aquilo com o que sonhara era, finalmente, seu.”

“Os dias iam passando e as descobertas eram incessantes. Cada novo animal que caçava, cada planta que cheirava, tudo aquilo fazia valer à pena tantos anos de espera.”

“Um dia, porém, a chuva caiu forte e impiedosa. Naquele lindo campo aberto, cheio de nobres e belas manifestações de vida, a fúria da água que vinha do céu era brutal e castigava o homem que, desprotegido, sem sua escura caverna, não tinha onde se esconder. Seguidos e ininterruptos foram os dias de tempestade, até que em uma determinada manhã o sol decidiu brindar novamente o mundo com seu calor e sua força revigorante.”

“Talvez esse tenha sido realmente o dia mais feliz daquele aventureiro homem das cavernas. Os seguidos dias de chuva, vento e frio fizeram com que ele adoecesse, e a luz do sol era um bálsamo que lhe iria trazer de volta a saúde perfeita. Decidiu, então, se alimentar, mas olhou em volta e viu todo o estrago que a tempestade havia causado aos animais que havia caçado. Doente como estava não tinha forças para novas caçadas, muito menos para voltar pra casa.”

“Sua situação foi se agravando dia após dia.”

“Juntando todas as forças que lhe restavam, o homem levantou e decidiu procurar alguma planta para comer, pois a fome era muito grande e caçar era, naquele momento, impossível. Viu algumas ervas que lhe pareciam não venenosas, pois eram bastante perfumadas e bonitas, e decidiu ingeri-las. O pobre aventureiro só conseguiu fazer isto uma vez. Sem o saber, as plantas que ingerira eram levemente venenosas e, como estava muito fraco, não teve forças para reagir, morrendo pouco tempo depois”.

Ante o olhar fixo e atencioso do jovem Pedro, Demétrius prosseguiu.

- Cada um de nós, meu rapaz, dispõe na vida de tudo aquilo de que precisa para alcançar o sucesso e viver bem. O pobre homem das cavernas da estória que acabei de lhe contar julgava que sua morada era escura e solitária, mas era ela que o protegia da chuva que o tornou doente; os animais os quais estava cansado de comer e caçar eram-lhe alimento garantido, o que lhe faltou em seus momentos de convalescença após a chuva; e as belas plantas que tanto invejou se tornaram seu algoz.
“Portanto, meu filho, não procure a felicidade naquilo que está à sua frente ou ao seu redor. Seja feliz com o que tem e use cada um dos seus bens, materiais ou não, para ser feliz. Veja em seus familiares, em seus verdadeiros amigos e em todos aqueles que lhe amam de verdade a caverna que lhe protegerá das tempestades da vida; no alimento que está sob sua mesa todos os dias veja a comida que lhe é garantida e que, ao invés de lhe causar enjôo, lhe deve ser motivo de gratidão, pois lhe mantém vivo e saudável, com forças para estudar e, futuramente, trabalhar para seu próprio sustento. Não inveje as ”flores” que você não possui, pois elas podem ser o caminho para sua perdição. Descubra a felicidade naquilo que você tem, pois certamente ela está lá.”

Pedro estava emocionado. As palavras de Demétrius lhe deram novo ânimo para aquele dia e para muitos outros que o seguiriam. O rapaz agradeceu ao seu professor e saiu para encontrar seus amigos na porta da escola. Ele já estava sentindo falta das conversas e risadas que davam juntos todas as tardes...

2 comentários:

SEM IDENTIFICAÇÃO disse...

Porra, excelente esse texto! Vc leu em algum lugar ou formulou das suas idéias mesmo irmão? Muito bom! Abraços!

Leandro Chernicharo disse...

Eu q criei. Tenho uma serie desse personagem Demetrius aih. Criei para contar algumas coisas legais atraves dele... Esse eh um dos contos...
Obrigado por ler, cara.
Abração