quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Saber escolher

Recentemente fui levado pela vida a questionar um monte de coisas a respeito da própria vida. Mais especificamente, de como nos colocamos diante dela, de nossa postura em relação a tudo que nos cerca e a relação disso com nossos próprios anseios, desejos e necessidades. Percebi, portanto, que há uma sutil e quase imperceptível linha que separa a nossa liberdade de escolha do nosso egoísmo. Vi que é muito fácil confundir o nosso livre arbítrio com nossa necessidade de sermos nós mesmos, independente do que aconteça ao redor. E não é bem por aí. Pelo menos não deveria ser...

Percebi como é fácil acharmos que nossos anseios são sempre os mais importantes, que nossas necessidades e dores são as maiores, que nossos gostos são os mais legais, que nossas opções são sempre as corretas. Enfim, é muito comum acharmos que a vida pode ser como desejamos. Comum, sim. Normal não.

O livre arbítrio é individual, certo. Mas o bem estar é coletivo. A harmonia não acontece com um só elemento. Ela só existe se dois ou mais elementos estão envolvidos. Sendo assim, por mais que tenhamos a nossa vida, a nossa individualidade, as nossas escolhas, o nosso livre arbítrio, ainda temos uma preocupação maior: o bem estar coletivo.

Devemos, então, viver a vida de acordo com o que os “outros” pensam? Não, em hipótese alguma. A vida é de cada um de nós, dada a nós por Deus, para que dela façamos o que julgarmos ser o melhor. Mas nunca podemos nos esquecer de que há leis, limites e os nossos direitos são cercados por eles. Violá-los é violar a benção de Deus que é a liberdade com responsabilidade. É comum pensarmos que temos o direito de fazer o que bem entendermos do dom da vida, mas não é assim que prega Jesus. O Mestre deixou claro que todos prestaremos contas dos dons que recebemos, e que nossa obrigação é fazer com que esses dons se multipliquem (Lc 19:11-27).

É complicado e delicado falar sobre isso, porque meu direito de escrever e expor minhas idéias não pode ultrapassar os limites que demarcam o ponto de intromissão na vida alheia. Para não correr esse risco, falarei de mim.

Quando ainda muito jovem iniciei meus estudos do Espiritismo, tive alguns sérios problemas familiares. Meus pais, muito católicos, estranharam muito, se decepcionaram. Levou algum tempo para que eu os mostrasse que as coisas eram bem diferentes do que eles imaginavam, que o Cristo é o foco assim como no Catolicismo, e que esse era um direito meu. Acabaram aceitando, mesmo sem concordar. Houve o respeito, que deve haver sempre.

Aproveito para fazer um breve esclarecimento aqui. Hoje me considero da religião de Deus e de Cristo. Catolicismo, Protestantismo, Espiritismo, Hinduísmo, Budismo, Islamismo, todas essas religiões, em sua essência, levam a Deus, dêem a ele o nome que queiram dar. A prática do homem não pode ser confundida com a essência da mensagem. Não é justo achar que o Catolicismo é uma coisa satânica porque houve a Inquisição, o massacre da noite de São Bartolomeu ou as Cruzadas, todas obras dos homens. O mesmo pode-se dizer do Islamismo, em relação aos homens bomba da atualidade. Independente de minha afinidade ou não com uma crença ou outra, estudei cada uma delas o suficiente para saber que todas, em essência, são positivas e visam a evolução e ascensão do homem. Nós, homens e mulheres imperfeitos, é que damos a cada uma delas o toque de imperfeição. Em todas, sem exceção, há praticantes que não compreendem exatamente a mensagem que deve ser seguida. É aí que entra o respeito e a tolerância em prol do bem estar coletivo. Isso é algo que, infelizmente, ainda está longe de acontecer na Terra, pelo menos nesse aspecto.

Voltando às escolhas. Falava sobre minha inicialização nos estudos do Espiritismo. Algo aparentemente simples, não é? Uma divergência religiosa não deveria causar escândalo, mas causou. Pergunto: eu errei? Sinceramente: julgo que não. Sabe por quê? Porque essa foi uma escolha que, apesar de divergir dos meus pais e da maioria católica neste país, era a minha busca para Deus. Minha busca sincera para Deus. Imagino sempre o caminho inverso. Eu sendo adepto e praticante do Espiritismo e meu filho decide ser católico, por exemplo. Nossa... Penso que ficaria muito feliz. Meu filho buscando Jesus. Maior alegria não pode haver para um pai. Há dogmas que divergem aqui e ali? Sim, mas o “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” está nos dois lugares.

Pensemos agora em uma segunda situação, hipotética desta vez. Se ao invés do Espiritismo eu chegasse em casa dizendo que me iniciei no mundo do crime organizado. É um direito meu? Sim, é. Devo ser respeitado? Sim, claro, como em qualquer escolha na vida, esta deve ser respeitada. Minha escolha me separa de Deus? Sim, separa. Essa, meus amigos, deve ser a medida. Sempre devemos pensar se o que escolhemos nos afasta de Deus. É aí que entra o ponto chave da minha defesa do fato de considerar apenas Deus e Jesus minha religião. Cada credo carrega consigo um punhado de dogmas muitas vezes divergentes entre si, mas todos carregam o amor como pedra fundamental. E o amor já foi personificado neste mundo por muita gente: Jesus, Buda, Francisco de Assis, Gandhi, entre outros. Em minha opinião, o modelo é Jesus, mas o que dizer de Gandhi? Sendo assim, o amor em sua forma pura demonstrado no mundo por vários exemplos de vida é a cerca que deve limitar o terreno da nossa liberdade, da nossa escolha. Assim, mesmo divergindo, nunca sairemos do caminho que leva a Deus. Sem dogmatismos, sem fanatismos, sem guerras ou brigas.

Jesus, quando esteve entre nós, deixou claro que a fé, o amor e a caridade deveriam estar dentro de nós. Sempre nos ensinou a prezar as coisas do espírito. Chamou-nos, inclusive, de deuses. Nunca em sua vida Jesus precisou de templo para pregar, muito pelo contrário. Sempre os respeitou, diz-se que até expulsou vendilhões de um deles, mas nunca colocou como necessário, como condição sine qua non o seu uso para pregar. Pregava nos rios, nos mares, nas montanhas. Dizia que onde dois ou mais estivessem reunidos em seu nome, ele ali estaria. Foi contra excesso de normas e leis, resumindo em um simples mandamento de amor toda a lei de Deus. Sinto-me amparado pelo Mestre em minha escolha. Deixo para os homens o que é dos homens, fico com os mandamentos que vieram de Deus, puro, em sua essência, sem nossas intromissões deturpadas.

Pois bem. Voltemos à hipótese ali de cima. Entrei para o crime organizado. Sou um traficante e minha família, mesmo em dor, respeita minha escolha errada. Se tudo parasse por aí, não haveria problemas a não ser para mim mesmo, que escolhi o caminho errado. Mas não pára. Esse é um tipo de escolha que envolve muitas pessoas. Envolve parentes, amigos, pai e mãe. Quando vou preso, causo dor a meus pais. Quando estou envolvido em um tiroteio e posso morrer, mato lentamente minha família. Quando apareço na televisão algemado e cabisbaixo, exponho minha família e amigos à chacota popular. Quando brigo com a quadrilha rival, meus amigos e parentes mais próximos correm risco de serem mortos por retaliação ou ameaça. Enfim, essa não é uma escolha solitária, uma escolha que só me diz respeito. É uma escolha que, além de me desviar do caminho de Deus, me coloca em choque com os limites de meu livre arbítrio e do livre arbítrio de todos que estão próximos a mim. Há o carma individual, o carma coletivo e coisas do tipo? Sim, podemos dizer que sim. Alguns, pelo menos podem dizer. Mas prefiro não entrar em dogmatismos, seguir o caminho puro e simples do amor e usar as palavras de um homem que admiro muito, o Pe. Fabio de Melo. Permitam-me transcrever-lhes um trecho:

“Minha mãe também me diz, quando saio de casa: “vai com Deus, meu filho! Cuidado na estrada!”. Na frase de minha mãe há duas realidades a serem observadas: o dom e a tarefa. O dom está na primeira expressão: “vai com Deus.” E eu vou mesmo. Ele não sabe me deixar ir sozinho. Na segunda está a tarefa: “cuidado na estrada!”. Na tarefa, a vida resguarda o espaço para a responsabilidade humana. Tenho duas possibilidades diante da fala de minha mãe: acato ou não. Se eu acato, o dom se manifesta. Se não, ele fica ofuscado na minha escolha errada.”
“[...] Em todas as situações humanas há sempre uma parcela de dom a ser recebida, e a uma parcela de esforço a ser executada.”


Como vejo verdade neste pequeno trecho. Acelerar o carro a 200Km/h em condições de chuva é uma escolha minha. Imprudente. Errada. Mas ainda uma escolha minha. Mas ao acontecer o acidente, não se poderá dizer à minha mãe que “Deus quis assim”, ou que “Ele tinha o direito de dirigir como quiser”. Duas coisas: a primeira é que Deus não tem nada com isso. Eu optei pelo suicídio implícito em minha atitude. Deus me respeita. É seu amor sem limites que não Lhe permite não me respeitar. Ele me segue, me guia, me acompanha. Mas se eu não quiser Sua companhia, ele, em todo o seu amor, me respeita mais uma vez e deixa que minha consciência, que Ele também me deu, me guie pela vida. Se não me esforço em fazer minha parte, em ser prudente e responsável, esta é uma responsabilidade minha. A segunda coisa é que não, eu não tinha o direito de dirigir como quisesse, pura e simplesmente. Eu tinha o direito de dirigir como quisesse, contanto que eu não pusesse em risco a minha vida ou a de outras pessoas. Contanto que eu não expusesse a uma situação desnecessária de sofrimento meus pais e todos aqueles que me amam de verdade.

Não há dom maior do que a vida. Não há nada mais precioso a zelar. Não há nada que demande, porém, mais esforço. A vida à qual me refiro é aquela voltada para Deus, para as coisas do espírito. É claro que temos nossas necessidades terrenas, do corpo, e assim sempre será. Temos que trabalhar, incentivar e participar do progresso humano, casar, ter filhos. Tudo isso faz parte da nossa vida. Mas podemos fazer tudo isso sem abandonar a busca por Deus. Sem que para poder ser felizes precisemos de coisas que não condizem com as verdades exemplificadas na Terra por tantos homens e mulheres. Viver é fácil. Viver dessa forma é difícil. E é por isso que acho que muita gente desiste, que muita gente faz escolhas mais simples, egoístas, que ignoram o mundo ao redor e só pensam em sua própria vida, em seu próprio bem estar e em mais nada.

Eu tenho sempre dito que precisamos saber errar. Deixe-me explicar. Somos humanos, e como tal somos imperfeitos. Estamos aqui para que nos melhoremos e ascendamos a Deus, cultivando em nossos espíritos todas as virtudes que conseguirmos cultivar. Portanto, erraremos sempre. Eu, pelo menos, tenho certeza de que vou errar até o último dia de minha vida. Seria hipocrisia dizer o contrário. Viver é uma conquista diária. É aprender a todo momento. É vigiar os próprios atos e pensamentos todo o tempo. É dar-se a Deus pouco a pouco, conforme nossa maturidade vai nos permitindo. Saber errar é errar ciente disso tudo. É corrigir um erro para que ele não mais se repita. É errar um erro novo, diferente. Um erro que serve de lição para que aprendamos, o corrijamos e nos demos mais um pouquinho a Deus. Saber errar é passar todos os momentos da vida tentando corrigir erros anteriores até que finalmente consigamos, para que, pelo menos neste ponto, não tornemos a falhar. É isso que nos diferencia, que nos faz seguir mais ou menos confiantes no caminho difícil da vida. É isso que nos ajuda a identificar escolhas erradas e corrigi-las antes que seja tarde.

Erraremos sempre, tenho certeza. Mas mesmo assim devemos manter em mente as palavras do Mestre, que respeita, absolve, mas adverte e educa, para que nos estimulemos a nos corrigir a todo instante: “Pois bem: nem eu te condeno. Vai, e doravante não tornes a pecar (Jo 8:11)”.

3 comentários:

SEM IDENTIFICAÇÃO disse...

"Sempre devemos pensar se o que escolhemos nos afasta de Deus. É aí que entra o ponto chave da minha defesa do fato de considerar apenas Deus e Jesus minha religião."

Gostei muito desse trecho irmão! Gostei do q escreveste. Um abraço pra vc e pra Yvi!

SEM IDENTIFICAÇÃO disse...

TARJA PRETA = Daniel Coccarelli! Esqueci de avisar haha

Abração irmão bom final de semana!

Leandro Chernicharo disse...

Valeu, Gigante! A inteção é contribuir. Vamos nessa. Abraço