quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Aos amigos...

Olá!

Depois desse ano ímpar era óbvio que eu não ia poder passar este natal sem falar algumas palavras, digamos, especiais. Mas tão óbvio quanto isso era o fato de que eu não ia conseguir falar em viva voz. Sendo assim, apelei ao bom e velho estilo Leandro de ser: as cartas. Portanto, quando vocês estiverem lendo este texto, imaginem que estou dizendo diretamente para vocês.

Há muito, muito mesmo a ser dito depois de tanta coisa vivida em tão pouco tempo, mas por ora vou ser o mais direto e objetivo possível. Afinal, hoje é natal: dia de alegria, de celebrar o nascimento Daquele que veio para ser o nosso grande modelo, não para falar de mim. Deixemos isso pra depois, certo? Vamos falar agora de vocês...

Desde aquele dia em que oficialmente foi confirmado o que eu tinha, todos vocês se uniram física e espiritualmente ao meu redor para que a cura viesse, para que eu ficasse bom definitivamente. O curioso disso tudo é que sempre que eu rezava era pra que vocês tivessem força para passar por tudo da melhor forma possível, porque eu – como sempre, me achando o super-homem – achava que teria forças suficientes pra passar por isso numa boa. Achava. Só isso...

Lembro diariamente de uma das minhas passagens favoritas do Evangelho, onde Jesus pede a Deus, minutos antes de sua prisão, que seja afastado Dele aquele sofrimento que viria em seguida, mas que fosse feito como o Pai queria e não como Ele, Jesus, julgava mais pertinente.

Curioso como algumas coisas tão óbvias só ficam claras para alguns depois de muito tempo estampadas em sua cara. Se Jesus chorou, suou sangue e teve medo, por que eu poderia ter a arrogância de achar que comigo não seria assim?

Essa “ficha só caiu” depois do primeiro vômito, na segunda semana de quimioterapia. Quando vi, naquela quarta-feira, a minha parede suja daquele líquido laranja que foi mais forte do que eu e conseguiu sair, apesar da minha vontade, pensei: “é, cara, você não é mesmo o super-homem”. Você precisa de ajuda. E é aí que vocês entram...

A partir deste episódio, quando nem mesmo capaz de limpar o vômito eu fui – tive que chamar a tia Neide – eu tive a total certeza de que sem vocês provavelmente este dezembro não chegaria tão facilmente como chegou. Facilmente? Sim, facilmente. Uma das lições que aprendi neste tempo foi a observar o “cara do lado” e ver que o Monte das Oliveiras dele pode ser muito mais escuro e frio do que o meu. E ver mulheres sem seio, adolescentes de 17 anos morrendo, mulheres de meia idade definhando de magreza e fraqueza me faziam pensar que isso de fato acontecia, que o meu caso não era nada. Eu fui o único que conheci durante esse tempo – e o único paciente da minha médica em todo seu tempo de profissão – a não retardar nem por um dia o tratamento. Eu me sentia no direito de dizer que meu caso não era nada. Achava justo dizer pra minha mãe em várias oportunidades: “quem dera se todos os meus problemas fossem a doença”. Ela nunca pareceu entender... Eu entendo que ela não entenda agora... Mas mais tarde ela vai entender...

Enfim, eu achei que foi fácil. Pelo menos por comparação foi. O que aconteceu? Ganhei uns (muitos) quilinhos? Vomitei? Senti dores no corpo? Leiam algumas linhas acima que vocês vão ver que ainda estou no lucro... Mas por que foi fácil? Porque sou o super-homem? Não, isso eu finalmente vi que não o sou. Porque cada um de vocês estava ali. Só por isso. Já sei: vocês estão pensando que foi por causa de Deus, etc. Sim, mas Deus não faz nada sozinho... Nada. Isso foi outra coisa que aprendi. Até pra criar a mulher ele precisou da ajuda de Adão, assim como precisou de Jesus pra nos dizer claramente o que queria. E Este também precisou de doze homens pra realizar Suas obras. Da mesma forma eu precisei de cada um de vocês. Até mesmo pra limpar um simples vômito... Deus precisa de cada um de nós. E eu também precisei.

Precisei das caronas, das orações, das frases de apoio, dos sorrisos quando era óbvio que quando eu virava as costas havia as lágrimas. Do queijo minas aos papos sobre o Corinthians; das visitas do então mini me – hoje ele está a cara do pai, não parece mais comigo L – aos pratos de rabada. Até da tristeza, da ansiedade e do medo de cada um de vocês eu precisei do meu lado. Sem eles talvez eu não tivesse me esforçado tanto para conseguir – e sei que consegui – manter a calma, a fé e a mente em paz pra que o corpo assim também estivesse. E esse esforço não foi por mim. Foi por cada um de vocês. Era o mínimo que eu podia fazer para retribuir: mostrar que o esforço de cada um não era em vão. E mostrar também que meu pai não morreu em vão... Que pelo menos isso eu havia aprendido com ele, já que tantas outras coisas eu deixei passar.

Agora que tudo se passou eu pude, pela primeira vez desde um pouco antes aquele 6 de março, deixar a primeira lágrima cair. Quando o médico me disse, com um sorriso largo no rosto, que o exame estava limpo só deu tempo de eu sair da sala e sentar sozinho naquela cadeira pra esperar ser liberado. Ali caíram as únicas duas lágrimas desde que soube, antes de todo mundo, antes mesmo de pegar o resultado da biópsia (mais tarde vocês também vão entender isso) o que eu tinha. O mais legal foi voltar pra sala de espera com cara de indiferença... hehe... Mas dar a notícia foi muito, muito bom...

O curioso é que no dia 4 de março é meu aniversário e o do meu pai é dia 6, dois dias depois. Durante anos comemoramos juntos e em 2008, depois de 3 anos sem assim o fazer, isso aconteceu outra vez. Sozinho no metrô, indo da Av. Paulista para a Barra Funda falar pela primeira vez com a médica, eu conversava mentalmente com ele: “Estamos comemorando a notícia, não é? Um presente mútuo depois de tanto tempo. Uma oportunidade de crescer como essa não acontece duas vezes na vida da gente...”. E cresci. Cresci muito. Mais em um ano do que até então em 30. Imagino agora como meu pai não ficou espiritualmente imenso depois de sete anos de uma barra muito, mas muito mais pesada do que a que eu passei... Mas só consegui porque tinham vocês, os grandes anjos encarnados, ao meu lado para me ajudar. Na verdade, para me carregar, eu diria...

Há muito, muito a contar sobre tudo isso, mas vou deixar pra mais tarde... E esse mais tarde já tem nome: “Hodgkin e eu: transformando um linfoma em limonada”. Vou começar a escrevê-lo em janeiro e espero conseguir fazê-lo de uma forma que, se publicado, possa ajudar muita gente a encarar com fé e alegria uma situação como essa.

Enfim, não queria me estender muito, mas não deu. Vocês são muito, muito especiais e importantes. Se meu jeitão duro na queda não demonstra muito isso, nunca duvidem: vocês são, sim, especialíssimos. Pelo menos pra mim.

O padre Fabio de Melo tem o “péssimo” hábito de falar coisas incríveis, e uma delas é: salvar a vida de alguém é uma maneira bonita que a gente encontra de salvar a vida da gente. Vocês encontraram uma maneira muito bonita de salvar a minha. Obrigado. Mesmo. Do fundo do coração. Obrigado a Deus, aos anjos, aos que já se foram e estão do lado de lá olhando por nós, enfim, a todos que nos ajudam, mesmo que seja sem a gente saber.

Fiquem com Deus porque Ele já está com vocês.


Leandro Chernicharo
25 de dezembro de 2008