quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Ela disse adeus...

A vida nos apronta cada uma, viu? Tenho certeza que tudo que o Cosmo quer é provar que, por mais que tentemos negar e repudiar a ideia, nada, absolutamente nada, está sob nosso controle. Pra que as coisas aconteçam, basta que o relógio esteja batendo. E ele sempre está.

Nos últimos anos eu passei por um monte de situações um tanto quanto pitorescas: meu pai morreu; uma árvore escolheu aleatoriamente o carro do meu fantástico primo para esmagar e nos privar para sempre de sua companhia física; minha tia avó, fofa até dizer chega, dormiu bem e quando acordou já não estava mais lá; minha avó, de um dia pro outro, esqueceu de tudo e de todos por causa de uma maldita doença com nome de campo de concentração alemão; saí de casa bem e voltei sabendo que tinha 30% de chances de morrer; abri a página web do jornal e vi que Michael Jackson e Steve Jobs haviam morrido; e, pra concluir, fui acordado com a notícia de que minha duplamente madrinha – batismo e casamento – havia sido internada por um infarto e estava em estado grave no hospital. Depois de tantas notícias, de tantos buracos abertos nos últimos anos, estava ruim de acreditar que aí viria mais um. Mas o Cosmo, sempre ele, provando mais uma vez de quem é o controle, começou a desenhar o inevitável...

Foram vários – cinco, para ser mais preciso – dias de uma agonia sem fim. Nem vale a pena relatar toda a luta, todos os momentos tensos que todos passaram em casa e/ou no hospital. Quero só falar um pouco de quem era, pra mim, a pessoa que nos deixou.

Regina Coeli, a rainha do céu, mãe de quatro filhos: Sandro, Glaucio, Leandro e Paula (estes dois últimos postiços, mas quem liga?). Uma pessoa que nunca ficou triste, que sempre sorriu e passou por cima de todas as dificuldades e turbulências de sua vida com uma facilidade que beirava a loucura, de tão simples. Os gaúchos têm uma expressão interessante que a definia bem: “louco de tão tranqüilo”. Era assim que ela ficava nas horas de aperto. E o melhor era que trazia todo mundo com ela. Até pra nos deixar foi assim. Entrou andando no hospital, ficou lá por cinco longos dias, esperou que todos estivessem mais preparados, calmamente se despediu de todos, e se foi. Foi para um lugar muito melhor, onde terá o gozo que merece depois de tanto tempo de lutas neste mundo.

Sabe, é difícil falar dela, porque era minha madrinha, minha tia e uma segunda mãe. Passei minha adolescência na casa dela. Foi lá que aprendi a tocar guitarra, foi lá que fiz a minha primeira banda e conheci minha primeira grande paixão. Foi na casa dela que decidi que ia ser veterinário como ela, mas também foi lá que desisti de ser, ao ver que não tinha condições de sair ileso de uma eutanásia de um filhotinho com cinomose. Era ela a única mentirosa que vivia me dizendo que eu cantava muito bem e que eu deveria fazê-lo mais vezes. Quem vai me dizer isso agora? Era ela a sem noção que não tinha vergonha de falar das bandas dos filhos dela pra quem quer que fosse e tinha um orgulho que eu nunca vi igual de sua prole de músicos. Como curtia e apoiava nossos sonhos, cara... Sem precedentes em nossas vidas. E agora, como fica? Quem vai nos dizer que temos que tocar e acreditar nisso? Já era difícil com ela, imagine agora.

Foi-se uma grande mulher, uma grande guerreira, uma grande mãe, uma grande amiga. Mas se foi porque era boa demais pra este mundo cão. Deixa um imenso buraco, que demorará a fechar, mas que servirá de estímulo para melhorarmos nossas vidas, as pessoas que somos e como somos com os outros. Foi para reinar no céu, como seu nome dizia, para nos ajudar lá de cima, junto de tantos outros familiares sensacionais que nos deixaram e que de lá nos ajudam a viver aqui, nessa terra ingrata e injusta. Foi a Regina, ficou a saudade. A primeira foi tão grande que deixou a última ainda maior do que ela. É o ciclo da vida. O doloroso e cruel ciclo da vida.

Vai com Deus, Dinda. Fica com Ele, na verdade. E ajuda o povo aí de cima a ajudar o povo aqui de baixo, porque está cada vez mais difícil, já que pessoas como você insistem em nos deixar. Se com você, meu pai, Diogo, tia Leila e tantos outros já era difícil, imagina sem... Vai e brilha pra que a gente possa te ver daqui. E desculpa não ter conseguido entrar na UTI pra te dizer adeus. Isso vai doer por um tempo em mim ainda... Mas tenha sempre a certeza de que nossa mania de você não acabará jamais. Beijo do teu sobrinho e afilhado, Lê.