terça-feira, 15 de janeiro de 2008

A arte de perdoar

Tarefa difícil, palavra difícil. Perdoar. O que significa este grande verbo? A definição do dicionário não me agrada de todo porque traz apenas a resposta lingüística para o termo. Minha dúvida vem mesmo do ato de perdoar. O que é o perdão? Que mistérios o envolvem? Muito difícil de responder sem que pra isso os exemplos venham à tona. É só assim que consigo entender o perdão, através dos exemplos. Não adianta pensar em palavras que não tenham sido vividas. Penso num homem que disse que deveríamos perdoar os nossos inimigos, e assim o fez pouco antes do último suspiro de sua vida com aqueles que matavam seu corpo preso a uma cruz de madeira. É por aqui que deve começar o estudo desta arte, chamada perdão.

Penso nas obras de Da Vinci e de tantos outros gênios da renascença e busco em sua perfeição um traço de complexidade equivalente ao ato de perdoar, de verdadeiramente perdoar. Sem desmerecer os homens que fizeram o mundo mudar radicalmente a partir dali, não creio que nas pinturas de Michelangelo ou nas peças de Mozart exista algo que demande tanto esforço do ser humano para ser concebido interiormente como esta santíssima arte, que poucas vezes se viu pintada no mundo de forma tão bela, como se viu há dois mil anos, e pouquíssimas vezes depois disso.

Eu tenho o péssimo hábito de tentar explicar o que não se explica; de percorrer caminhos já várias vezes percorridos por outros na busca de algo que já se achou; de tentar redefinir o que não carece mais de definição. Juro que não sei mesmo o motivo desta coisa ciclicamente redundante em minha vida, mas creio que isso venha da certeza de que cada um é único em sua essência, o que significa que talvez uma explicação não me agrade, que um caminho possa ser encurtado e que uma definição não me seja suficiente. Talvez seja isso. Talvez. Não sei. Mas é nisso que acredito por enquanto, enquanto é só isso que meu espírito, que não pára de querer aprender, consegue aprender. No meio tempo a vida vai me ensinando.

É por essas e outras que penso sobre o perdão, e analisando os grandes exemplos da história, como Jesus, Francisco de Assis, Joana D’Arc, dentre tantos outros, me pergunto o que neles há em comum. É a única maneira de tentar chegar a algum lugar. A primeira coisa que encontro é óbvia: o amor. Todos esses trazem dentro de si um amor de tamanho inconcebível a muitos de nós, espíritos ainda tão simples, que por muitas vezes ficamos tentados a lhes chamar de loucos. Já ouvi dizerem que Jesus era o primeiro “doidão” da história, que disse que era o filho de Deus e muita gente, mais doida ainda, acreditou. Que pena... Já ouvi dizerem que Francisco de Assis tomou uma pancada na cabeça na guerra e por isso enlouqueceu e achou que era santo. Santo Deus, enlouqueça-me!!! Quero enlouquecer, então, para que esse amor me habite. Para que eu possa, como eles, perdoar antes mesmo de se magoar, pois o amor não se magoa. Não o amor divino, que habitava aqueles corações. Loucura... Onde já se viu...

Como ainda é bem cedo pra que ache que Deus vá me “enlouquecer” como o fez a esses homens, decidi procurar outra fórmula para o perdão. Achei que só o amor não adiantava, porque poucas vezes na vida vi um perdoar verdadeiro, aquele que não guarda qualquer ressentimento, mágoa ou mácula no espírito. O verdadeiro e profundo perdão para a verdadeira e profunda mágoa. Perdoar as pequenas faltas do dia-a-dia é comum, nem dá para dizer que é tão difícil assim de se conseguir. Nem sei se dá pra considerar tudo a mesma coisa. Acho que isso está mais pra relevar do que perdoar. Falo de apagar de vez do coração a dor e a mágoa causadas por uma grande ferida, aquela que na hora que é criada parece que escurece o ambiente e faz nossa cabeça girar, o sangue ferver e o coração desesperar, parecendo querer sair do peito por não suportar tamanha dor.

Fui, então, recorrer aos exemplos mais uma vez. Bom, dessa vez os pés estavam um pouco mais no chão, e acabei achando outro tipo de exemplo, algo que estivesse mais próximo de mim. Confesso que foi difícil encontrar. Muito difícil. Mas acabei achando. A vida não é assim tão cheia de espinhos. Há muitas rosas também. Na verdade, sem um não há o outro, já que andam juntos no mesmo corpo, na mesma plantação. Complementam-se. Nesse roseiral da vida acabei achando as flores. Nem foi tão difícil, bastou olhar um pouco pra cima. Quando se olha pra baixo, obviamente, não se vê as flores, só os espinhos. Olhemos, pois, para cima e as flores estarão lá, lindas e perfumadas, junto aos espinhos, claro, mas facilitando as coisas, tornando bela uma plantação que, dependendo do ponto de vista, pode ser muito nebulosa.

Com a rosa do exemplo nas mãos, acabei achando outro fator determinante no perdão: o tempo. Pessoas que perdoaram de verdade, daquela maneira que descrevi mais acima, tiveram tempo para perdoar. Acho, na verdade, que se deram tempo para perdoar. Não conheci um caso de alguém que não fosse como os “loucos” lá de cima e que tivesse perdoado instantaneamente, e nesse rol podem incluir minha pessoa. Mas porque uns podem perdoar antes mesmo de que lhe peçam perdão e outros dependem de mais tempo pra isso? Ou, ainda, porque outros não conseguem perdoar? A resposta, meus caros, é uma equação de duas variáveis, onde uma varia em função da outra. O perdão não vem do amor ou do tempo, mas vem do amor que se vive ao longo do tempo. Quanto mais amor, menos tempo para perdoar. Os “loucos” de Deus não precisavam de tempo, era imediato, pois o amor que os habitava era inconcebível a nós. Em contrapartida, nós precisamos de um longo tempo, pois o amor em nós ainda é pequeno, por maior que pareça. E para alguns, o tempo nunca chega, porque o amor nunca é suficiente. Não tem problema. A vida é eterna, o espírito é eterno e “em verdade, em verdade eu te digo: quem não renascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus (Jo 3:5)”. O tempo, de fato, sempre virá. É tudo questão de tempo. O amor é que precisa nascer e se desenvolver dentro de cada um de nós, a fim de encurtar essa função matemática. E, ao contrário do relógio do universo, que anda à nossa revelia, nosso espírito anda à nossa vontade. Cabe a nós desenvolver o amor e o senso de justiça, para que o perdão verdadeiro, aquele descrito lá em cima, apareça de verdade em nossas vidas.

Eu fiquei pensando aqui e tentando lembrar desse divino perdão praticado em minha vida. Só o vi uma vez. Graças a Deus só tive uma oportunidade, e consegui perdoar. Sabe quanto tempo levou? Dois anos. Mas o dia, enfim, chegou. Pensei em situação contrária. Quantas vezes precisei que me perdoassem nessa intensidade? Inúmeras. Quantas aconteceram? Algumas. Sabe a conclusão que cheguei? Que mais do que aprender a perdoar, preciso aprender a não ferir...

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